quinta-feira, 18 de abril de 2024

Quarta parte: música e poesia como arma de resistência

 



“Os ventos da indignação nunca pararam de fazer ressoar as letras e as melodias que falavam de resistência e de liberdade. Atentos às sementes de rebeldia que a criatividade dos simples semeou nas páginas do tempo, vamos resgatar a greve operária na cidade de Lawrence, nos EUA. Seguiremos para a Itália, onde as trabalhadoras dos arrozais cantavam para fomentar a união e a luta. Encerraremos esta etapa na Rússia com as músicas de jovens mulheres que fizeram tremer os alicerces do Kremlin.”(E.G)


A história dos movimentos sociais revela que poemas e canções de protesto nasceram da vontade de expressar em músicas e versos os sofrimentos do cotidiano e a necessidade de vencer a passividade dos oprimidos. Enraizadas no terreno do vivido, as palavras cantadas e declamadas convidavam a resistir e a somar forças para mudar os rumos do presente.

Os grupos de poder procuraram deter estes corais de vozes que semeavam ideias e colhiam ações. Em nome de uma paz social que só beneficiava os seus interesses, usaram a violência policial, as prisões e os assassinatos para calar quem, vencido o medo, questionava uma ordem invariavelmente apresentada como justa e natural. 

Os ventos da indignação nunca pararam de fazer ressoar as letras e as melodias que falavam de resistência e de liberdade. Atentos às sementes de rebeldia que a criatividade dos simples semeou nas páginas do tempo, vamos resgatar a greve operária na cidade de Lawrence, nos EUA. Seguiremos para a Itália, onde as trabalhadoras dos arrozais cantavam para fomentar a união e a luta. Encerraremos esta etapa na Rússia com as músicas de jovens mulheres que fizeram tremer os alicerces do Kremlin.

 

 

4.1 Lawrence, 1912: a greve do pão e das rosas

Em 1910, o operariado da cidade de Lawrence, no estado de Massachusetts, fornecia 25% dos tecidos fabricados nos Estados Unidos. O fato de a força de trabalho ser majoritariamente composta por imigrantes estrangeiros não afetava a produção e os lucros empresariais.[1] Conhecer algumas palavras em inglês e prestar atenção ao que faziam os colegas era mais que suficiente para assimilar as tarefas a serem desempenhadas.

Para os patrões, as barreiras linguísticas eram uma benção. Com os operários não conseguindo se comunicar entre si no ambiente de trabalho e seguindo hábitos culturais que dificultavam o entrosamento fora do ambiente fabril, a probabilidade de uma greve prolongada era considerada inexistente.

Esta convicção era fortalecida por dois elementos igualmente importantes. O primeiro deles deitava raízes nas condições de vida miseráveis produzidas pelos baixos salários. Com a fome marcando presença constante nas famílias operárias, perder dias de pagamento por ter aderido a uma paralisação era um luxo que ninguém podia se permitir. Por outro lado, a quase totalidade dos empregados ganhava ordenados dos quais era impossível descontar a mensalidade das filiações sindicais. Isso fazia com que os dirigentes das principais entidades representativas do setor (vinculadas à Federação Americana do Trabalho - AFL, pela sigla em inglês) sequer aparecessem na cidade. 

Verdade que, em Lawrence, já haviam marcado presença também alguns dirigentes da Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW, pela sigla em inglês), uma central sindical de tendência anarquista, mas as pouquíssimas adesões conseguidas não preocupavam os empresários. Some isso ao fato de que, desde a fundação da cidade, em 1845, nunca haviam ocorrido paralisações que não pudessem ser imediatamente resolvidas com a demissão dos agitadores e entenderá por que os patrões se sentiam seguros e confiantes de que nada ameaçaria seus lucros.

A exploração do trabalho se refletia no panorama desolador em que vivia o operariado. A maioria morava em cubículos e, para reduzir o peso do aluguel e da calefação no orçamento doméstico, era comum que mais famílias se apinhassem no mesmo espaço. Do mesmo modo, a penúria forçava os pais a violarem a lei que não permitia o trabalho fabril de menores de 14 anos. Apesar da consciência dos riscos a que estavam submetidas as crianças, a maioria costumava mentir a idade dos filhos para que os magros salários por eles recebidos reduzissem o peso de suas necessidades nos gastos familiares.[2]

  Com a carne alçada à categoria de “bem de luxo”, a dieta diária era à base de pão, melaço e feijão. A desnutrição abria caminhos às doenças que matavam metade das crianças das famílias operárias antes dos seis anos de idade. Quem escapava deste flagelo não podia certamente esperar um futuro róseo. A soma de desnutrição, insalubridade das moradias e das fábricas, exaustão provocada pela jornada semanal de 56 horas, acidentes e doenças reduzia a esperança média de vida dos operários a 39 anos e 6 meses.[3]

Neste contexto, trabalharem todos e incessantemente aparentava ser a única forma de não aumentar os sofrimentos a que uma família era submetida. A revolta perdia seguidamente a batalha contra o conformismo de uma classe que, em pequena parte, havia participado de alguma luta em seu país de origem, mas que, ao procurar um futuro melhor nos EUA, apostava no sacrifício pessoal para dar aos filhos o que os adultos não iriam ter.

Em 1911, a redução do trabalho semanal de 56 para 54 horas, determinada pela Assembleia Legislativa de Massachusetts a partir de 1º de janeiro de 1912, fortalecia a crença de que as coisas iriam melhorar. Contudo, no dia 11 do mesmo mês, quando haveria o primeiro pagamento após a lei entrar em vigor, o operariado de Lawrence se deparou com uma surpresa amarga. Ao contar o dinheiro, as mulheres polonesas da Everett Cotton Mill foram as primeira a perceber que as duas horas a menos da jornada semanal haviam sido descontadas dos ordenados. Os 30 centavos de dólar tirados de cada uma delas eram o preço dos três pães que, a partir de agora, elas não poderiam mais comprar. A dieta que já era pobre, seria ainda mais fraca. Sem pensar duas vezes, as operárias da Everett desligaram os teares.

Na manhã seguinte, a constatação do desconto em outras fábricas fez a raiva se espalhar como um rastilho de pólvora. Metade do operariado da cidade entrou em greve imediatamente e, três dias depois, milhares de homens, mulheres e crianças se dirigiram às empresas que ainda estavam trabalhando para forçar a paralisação das atividades. Uma semana depois, o maquinário das indústrias têxteis de Lawrence estava às moscas.[4]

Uma mangueira anti-incêndio usada para afastar um piquete móvel nos primeiros dias da greve.

Com a polícia pronta a prender os piqueteiros por vadiagem, os trabalhadores criaram o “piquete em movimento”. Contingentes de uma centena de pessoas formavam uma corrente humana que ia de uma fábrica a outra para garantir a continuidade da greve. A espontaneidade ditava o ritmo das ações. Pedras eram lançadas contra as vidros das empresas ainda em atividade e as tentativas de invadir seus recintos eram repelidas pelos chefes com jatos de água gelada das mangueiras de incêndio. Seguidas provocações dos grevistas davam origem a embates com os policiais que aguardavam a chegada do exército para organizar a defesa armada das instalações.


Não demorou muito para que o operariado em luta percebesse a necessidade de ir além das ações e posturas adotadas. Os bloqueios armados pelo exército em volta das fábricas ameaçavam matar quem se aproximasse. A recusa dos patrões de sentarem à mesa de negociação e a perspectiva de ver a fome aumentar exponencialmente colocavam em risco a continuidade da greve. É neste contexto que, na segunda quinzena de janeiro, um grupo de operários entrou em contato com a IWW que enviou Joseph Ettor e Arturo Giovannitti para Lawrence.

Ambos perceberam logo que as barreiras linguísticas estavam entre as primeiras dificuldades a serem superadas. Apenas 8% dos grevistas havia nascido nos Estado Unidos e, ainda que todos conhecessem palavras ou frases em inglês, era impossível usar esta língua para os contatos que a greve demandava.[5] Foi assim que os sindicalistas criaram um comitê composto por dois representantes de cada grupo étnico. Além de assumirem o comando da paralisação e se capacitarem para as negociações, cabia a eles reunir as demandas dos operários e traduzir os pontos principais de cada reunião nos 25 idiomas falados nas fábricas.

A ampliação dos laços de solidariedade entre as famílias das diferentes nacionalidades foi outro elemento essencial para contornar as dificuldades imediatas. Para dar conta dos rigores do inverno, carvão para a calefação e para cozinhar, roupas quentes, cobertores, alimentos, bem como qualquer doação recebida, eram partilhados segundo as necessidades e as disponibilidades do momento. Com os recursos disponíveis, foi montado também um refeitório no qual os grevistas poderiam comprar uma refeição a preço de custo enquanto seus filhos e filhas comiam gratuitamente um prato de comida quente. Equipes de operários e operárias fizeram com que este serviço funcionasse durante parte considerável da paralisação.

Autoridades e empresários não demoraram a perceber que a resistência organizada pela IWW dificilmente seria vencida sem medidas drásticas. Numa escolha coordenada com o aparato repressor, o chefe da Companhia Americana da Lã, William Wood, contratou um agente funerário local para plantar dinamite nos locais onde os grevistas costumavam se reunir. A descoberta dos explosivos pelas forças de segurança desacreditaria a greve e justificaria que a mesma fosse sufocada num banho de sangue. Felizmente, o tiro saiu pela culatra, pois um grupo de grevistas encontrou os jornais com as matérias que anunciavam os resultados das batidas policiais antes que as mesmas tivessem sido realizadas.[6]

Fracassado o primeiro plano, a segunda tentativa visava neutralizar os sindicalistas da IWW. No dia 29 de janeiro, a milícia encurralou um grande grupo de manifestantes. Depois de vários empurrões, um tiro matou Annie Lo Pizzo, uma mulher de 34 anos que participava dos protestos. A polícia acusou Joseph Ettor e Arturo Giovannitti pelo assassinato. Os dois sindicalistas, que sequer se encontravam no lugar na hora do disparo, foram presos sem direito a fiança. Em abril, um mês após o encerramento da greve, José Caruso, foi detido sob a mesma acusação. Todos foram absolvidos no dia 26 de novembro depois de inúmeros protestos de rua e embates jurídicos.[7]


De esquerda para direita: José Caruso, Joseph Ettor e Arturo

Contudo, a prisão de Ettor e Giovannitti não teve o efeito esperado. A IWW enviou imediatamente Elizabeth Gurley Flynn e Bill Haywood para substitui-los. A avaliação dos acontecimentos levou os sindicalistas recém-chegados a mostrarem que provações, agressões e violências contra agentes e edifícios voltariam como um bumerangue que atingiria os grevistas com força muito maior.

Desde o início, as autoridades vinham justificando a crescente repressão como resposta às ações dos grevistas que eram reprovadas pela população. Entre os casos registrados pelas crônicas policiais, resgatamos o que ocorreu quando três operárias se depararam com um agente que caminhava sozinho sobre uma ponte próxima ao parque fabril. Aceleraram o passo, investiram contra ele, tiraram a arma, o porrete, o distintivo e as calças, deixando-o amarrado nos seus suspensórios sobre o chão gelado. Ao comentar o ocorrido, o promotor distrital disse:

“Um policial pode lidar com dez homens, enquanto são necessários 10 policiais para lidar com uma mulher”.[8]

Se, de um lado, estas palavras soavam como um elogio à determinação e à coragem das operárias, de outro, eram o prenúncio de que a violência policial aumentaria ainda mais. A própria Elizabeth, ao narrar os acontecimentos posteriores, escreveu em sua autobiografia:

“À medida que o terrível inverno da Nova Inglaterra se arrastava, o terror e a violência aumentavam. Em 19 de fevereiro de 1912, policiais com cassetetes derrotaram 100 mulheres que estavam na manifestação. Ao desferir um único golpe certeiro, o cassetete derrubava a mulher no chão como um tiro e, instantaneamente, a polícia a atacava puxando-a de todas as maneiras possíveis”.[9]

Os fatos mostravam que estava na hora de empregar a bravura para garantir a continuidade da greve e não para ações que aumentariam a fúria com a qual os policiais investiam contra os manifestantes. As mulheres compreenderam logo que manter a paralisação total do trabalho era o golpe mais forte que o operariado podia desferir naquele momento e que todos os esforços deviam ser dirigidos para que as fábricas permanecessem inoperantes. Por isso, assumiram a dianteira dos piquetes móveis e das manifestações; trataram de acalmar os ânimos de quem não via a hora de ir pelas vias de fato; se encarregaram de manter um trabalho de contrainformação com os comerciantes e as pessoas que se encontravam nas lojas, ruas e praças de Lawrence para ampliar o apoio à greve.

Só uma coisa não mudou: o operariado de Lawrence estava sempre cantando. Ao falar disso em sua reportagem na The American Magazine, Ray Stannard Baker escreve:

“É a primeira greve onde vi as pessoas cantarem. Não esquecerei tão cedo a curiosa elevação, o estranho fogo repentino das nacionalidades misturadas nas reuniões da greve, quando irrompiam na linguagem universal da canção. Não cantavam só nas reuniões, mas também nas casas de sopa [onde havia refeições gratuitas para as crianças] e nas ruas”.[10]

Em línguas diferentes a depender da composição étnica do piquete, os imigrantes encontravam nos cantos de luta conhecidos e nos que foram criados durante a greve a expressão comum de uma revolta que unia, marcava presença em todos os bairros da cidade e assustava quem sempre havia apostado na sua passividade. A letra da música “No bom e velho piquete” é a única que a nossa pesquisa conseguiu recuperar. Nela, os grevistas ironizam Mr. Lowe, dono de uma das grandes fábricas de Lawrence, e colocam a sindicalista da IWW, Elizabeth Gurley Flynn, na chefia. Vamos à letra:

No bom e velho piquete, no bom e velho piquete.

Os trabalhadores vêm de todos os lugares,

de quase todos os climas.

 

Os gregos e os polacos estão muito fortes,

os alemães estão o tempo todo,

Mas queremos ver mais irlandeses,

no bom e velho piquete.

 

No bom e velho piquete, no bom e velho piquete,

vamos vestir o Sr. Lowe de macacão

e [fazê-lo] desistir de beber vinho.

 

Então Gurley Flynn será o chefe.

Elizabeth Gurley Flynn, em 1913.

Oh Deus, isso não vai ficar bem.

Os grevistas usarão diamantes no bom e velho piquete.[11]

Era no bom e velho piquete que todas as etnias experimentavam o significado e o poder da sua união. Uma união que queria o patrão de macacão sendo obrigado a renunciar aos prazeres da vida, simbolizados pelo vinho, e a sindicalista no comando da geração e da distribuição da riqueza. Realizada esta mudança, a vida mudaria radicalmente. O bom e velho piquete, criado para ter de volta os três pães tirados de suas mesas pelos descontos da redução da jornada, faria com que, graças às vitórias alcançadas, os grevistas usariam diamantes ao participar de um futuro bom e velho piquete.

Bill Haywood, em 1916.

Viver o cotidiano do movimento permitia que as pessoas transitassem da reivindicação que lhe havia dado origem, para a defesa do direito à vida e ao respeito do trabalho e do trabalhador. Esta evolução nascia de uma união que, ao incorporar as formas de resistência e cooperação de cada grupo étnico, superava as barreiras criadas pelas fronteiras dos países de origem.[12]

Ao perguntar a um grupo de italianos presentes numa reunião de que país eles eram, Bill Haywood recebeu uma resposta inesperada:

“Somos trabalhadores industriais do mundo”.[13]

Bill Haywood, em 1916.

Agora, no lugar de usar as nossas palavras, vamos deixar que seja a carta aberta que os grevistas dirigiram à população de Lawrence, no final de fevereiro de 1912, a mostrar a leitura dos acontecimentos e a percepção de seus interesse enquanto classe trabalhadora que a greve havia proporcionado:

Nós, os 20.000 trabalhadores têxteis de Lawrence, estamos em greve pelo direito de viver livres da escravatura e da fome; livre de excesso de trabalho e de salários insuficientes; livres de um estado de coisas que tinha se tornado tão insuportável e fora do nosso controle a tal ponto que fomos obrigados a marchar para fora dos currais de escravos de Lawrence em resistência unida contra os erros e injustiças de anos de escravatura assalariada.

Em nossa luta, sofremos e suportamos pacientemente os abusos e as calúnias dos proprietários das fábricas, do governo municipal, da polícia, da milícia, do governo estadual, do legislativo e do juiz do tribunal de polícia local. Sentimos que, por uma questão de justiça com os nossos colegas trabalhadores, deveríamos neste momento dar a conhecer as causas que nos levaram a atacar os proprietários das fábricas de Lawrence.

Afirmamos que, como membros úteis da sociedade e como produtores de riqueza, temos o direito de levar uma vida decente e honrada; que deveríamos ter casas e não barracos; que deveríamos ter alimentos limpos e não adulterados e a preços elevados; que deveríamos ter roupas adequadas ao clima e não roupas de má qualidade. Para garantir comida, vestuário e abrigo suficientes numa sociedade composta por uma classe de ladrões, por um lado, e por uma classe trabalhadora, por outro, é absolutamente necessário que os trabalhadores se unam e formem um sindicato, organizando os seus poderes de tal forma que lhes pareça mais provável atingir sua segurança e felicidade.

A prudência, na verdade, ditará que as condições há muito estabelecidas não devem ser alteradas por causas leves ou transitórias e, portanto, toda a experiência tem mostrado que os trabalhadores estão mais dispostos a sofrer, enquanto os males são sofríveis, do que a corrigi-los, atacando a miséria a que estão habituados. Mas quando uma longa série de abusos e maus-tratos, que perseguem invariavelmente o mesmo objetivo, evidencia o desígnio de reduzi-los a um estado de mendicância, é seu dever resistir a tais táticas e ter novas proteções para a sua segurança futura. Tal tem sido o sofrimento paciente destes trabalhadores têxteis, e tal é agora a necessidade que os obriga a lutar contra a classe proprietária das fábricas.

A história dos atuais usineiros é uma história de seguidos abusos, todos tendo por objetivo o estabelecimento de uma tirania absoluta sobre estes trabalhadores têxteis. Para provar isto, deixemos que os fatos sejam apresentados a todos os homens e mulheres de pensamento correto do mundo civilizado. Estes usineiros recusaram-se a reunir-se com os comités de grevistas. Recusaram-se a considerar as suas reivindicações de qualquer forma que fosse razoável ou justa.

Eles, na segurança de seus suntuosos escritórios, atrás de robustos portões e fileiras cerradas de baionetas e cassetetes de policiais, desafiaram o Estado, a cidade e o povo. Na verdade, a cidade de Lawrence e o governo de Massachusetts tornaram-se criaturas dos proprietários das fábricas. Declararam que não negociarão com os grevistas até que estes voltem à escravatura contra a qual se rebelam. 

Eles deixaram os trabalhadores famintos e os levaram a tal ponto que suas casas não são mais lares, na medida em que as mães e as crianças são levadas pelos baixos salários a trabalharem ao lado do pai na fábrica por um salário que significa a mera sobrevivência e a morte prematura. A grande taxa de mortalidade de crianças com menos de um ano de idade em Lawrence prova que a maioria destas crianças morrem porque passaram fome antes do nascimento. E aqueles que sobrevivem à fome tornam-se vítimas da desnutrição.

A brutalidade da polícia ao lidar com os grevistas despertou-nos para um estado de oposição rebelde a todos esses métodos de manutenção da ordem. Os crimes da polícia durante este enfrentamento estão quase além da imaginação humana. Eles arrastaram meninas de suas camas à meia-noite. Bateram nos manifestantes em todas as oportunidades. Arrastaram crianças dos braços das mães e com os seus porretes bateram em mulheres grávidas. Eles colocaram pessoas na prisão sem qualquer motivo. Eles impediram as mães de enviarem os seus filhos para fora da cidade e agarraram violentamente as crianças e as mães e atirando-as em carroças de patrulha como se fossem lixo.

Eles causaram a morte de um grevista ao levar os grevistas a um estado de violência. Eles prenderam e espancaram rapazes e prenderam moças inocentes que nada haviam feito.

A milícia usou todos os tipos de métodos para derrotar os grevistas. Eles golpearam um menino com a baioneta. Eles espancaram os grevistas. Eles receberam ordens de atirar para matar. Eles assassinaram um jovem, que morreu em consequência de uma baioneta nas costas. Ameaçaram de morte um grevista se ele não fechasse a janela de sua casa. Eles ameaçaram ficar nesta cidade até o fim da greve. Eles atacaram um cidadão com baionetas porque ele não se movia rápido o suficiente. E eles detiveram na ponta da baioneta centenas de cidadãos e veteranos da Guerra Civil.


Lawrence 1912: um piquete móvel encurralado pelas baionetas da milícia.

Lawrence 1912: grevistas reunidos no Common.


 A prefeitura negou aos grevistas o direito de desfilar pelas ruas. Eles abreviaram as reuniões públicas ao recusar aos grevistas o uso da Câmara Municipal e dos espaços públicos para reuniões públicas. Eles transformaram os edifícios públicos da cidade em hospedarias para um exército de mercenários e açougueiros. Negaram aos grevistas o direito de usar o Common para reuniões de massa e ordenaram à polícia que afastasse as crianças dos seus pais, e são responsáveis ​​por toda a violência e brutalidade por parte da polícia.


O Legislativo de Massachusetts recusou-se a usar qualquer quantia do dinheiro do Estado para ajudar os grevistas. Votaram 150.000 dólares para manter um exército de 1.500 milicianos prontos a abater homens, mulheres e crianças inocentes que estão em greve por um salário digno. Recusaram-se a usar os poderes do Estado em favor dos trabalhadores. Nomearam comissões de investigação, que declaram, depois de perceberem os sinais de sofrimento dos grevistas de qualquer país de origem, que não há problemas com estas pessoas.

Todas as nações do mundo estão representadas nesta luta dos trabalhadores por mais pão. O filho louro do Norte marcha, lado a lado, com seu irmão moreno do Sul. Eles trabalharam juntos na fábrica para um único chefe. E agora uniram-se numa grande causa e puseram de lado todos os preconceitos raciais e religiosos em prol do bem comum, determinados a obter uma vitória sobre a ganância dos proprietários das fábricas corruptos e insensíveis, que governaram este povo durante tanto tempo com o chicote da fome e do desemprego.

Proscritos, com os filhos tirados deles, privados dos seus direitos perante a lei, cercados pelas baionetas da milícia e conduzidos para cima e para baixo nas ruas da cidade por um corpo policial superalimentado e arrogante, nós, trabalhadores têxteis, filhos e filhas da classe trabalhadora, apelamos a todo o mundo civilizado para testemunhar o que sofremos nas mãos dos mercenários da classe proprietária das fábricas. Estes homens e mulheres não podem sofrer por muito mais tempo; eles serão obrigados a levantar-se em revolta armada contra os seus opressores se for permitido que a atual situação continue em Lawrence.[14]

À medida que o tempo passava e os patrões se recusavam a negociar, a solidariedade escasseava. As doações eram insuficiente para que os filhos e filhas das famílias operárias de Lawrence não sentissem ainda mais fome e frio. As doenças e as mortes se tornaram mais frequentes e o sofrimento gerado pelas perdas estava abalando o espírito de luta e a coragem que mulheres e homens vinham demonstrando desde o início da paralisação.

Esta foto apareceu na primeira página do The Day Book, em 21/02/1912 e retrata a chegada de um grupo de crianças de Lawrence em Nova Iorque. Na faixa principal: “Um dia lembraremos do exílio!”


A situação foi amenizada quando, acatando a sugestão dos sindicalistas da IWW, as crianças foram passar um tempo nas casas de quem dispunha de melhores condições econômicas.

Bill e Elizabeth haviam entrado em contato com amigos socialistas de Nova Iorque que publicaram anúncios apelando às famílias de toda a Costa Leste para que acolhessem as crianças cujos país estavam em greve. Centenas de pessoas responderam ao apelo e cerca de 700 crianças foram beneficiadas pela solidariedade de lares que em Nova Iorque, Vermont, Filadélfia e outras cidades menores tinham condições de vesti-las e alimentá-las.


O “Exílio das crianças”, como foi chamado este processo, já havia se mostrado uma estratégia bem-sucedida em paralisações prolongadas ocorridas na Bélgica, na Itália e na França. Além de aliviar as famílias, os contatos com a realidade operária de Lawrence através dos relatos dos pequenos levaram mais gente a apoiar a greve.[15]

No dia 24 de fevereiro de 1912, cerca de 40 crianças acompanhadas por suas mães aguardavam na estação ferroviária da cidade o trem que as levaria para Filadélfia. A polícia interveio com requintes de crueldade. Bateu em todo mundo e prendeu muitas mulheres e crianças. Uma mãe grávida abortou. Levadas à delegacia, as mulheres se recusaram a pagar a fiança em sinal de protesto e optaram por ficarem presas, incluídas as que estavam com crianças de colo.

A aprovação do acordo que marcou o fim da greve.

Estampadas em vários jornais do país, as notícias do ocorrido atraíram as atenções para Lawrence. A esposa do Presidente da República manifestou a sua indignação e o Congresso dos Estados Unidos realizou várias audiências públicas. Nelas, os deputados recolheram testemunhos dos abusos que vinham sendo cometidos nas fábricas e das arbitrariedades perpetradas por policiais e soldados durante a greve. Era tudo o que a elite local não queria.

Desmascarados e encurralados, os patrões tiveram que ceder. No dia 14 de março, o acordo votado em praça pública previa aumentos salariais de 5% a 25%, a semana de 54 horas, o pagamento em dobro das horas extras, o fim dos prêmios de produção (cujas regras remuneravam poucos enquanto forçavam todos a trabalharem muito mais) e a não punição dos grevistas.[16]


A greve de Lawrence se tornou um marco na história da classe trabalhadora estadunidense e continua sendo lembrada nos dias atuais como “a greve do pão e das rosas”. A referência ao pão, guarda uma relação direta com aos pães que os operários deixariam de comprar pelo desconto correspondente à redução da jornada de trabalho. As rosas vêm do poema de James Oppenheim, publicado na The American Magazine, em dezembro de 1911, pouco antes do início da paralisação.

 Os versos que seguem com a correspondente tradução em português foram musicados anos depois. Você pode ter acesso a uma das versões pelo link https://drive.google.com/file/d/1TF6bcLghGVGwMIAv5Kg7wPUfNY_1eZt0/view?usp=drivesdk

 

Bread and Roses[17]

[Pão e Rosas]

 

As we go marching, marching in the beauty of the day

[À medida que marchamos, marchamos na beleza do dia]

 

A million darkened kitchens, a thousand mill lofts gray

[Um milhão de cozinhas escuras, mil sótãos de moinho cinzentos]

 

Are touched with all the radiance that a sudden sun discloses

[São tocados com todo o brilho que um sol repentino revela]

 

For the people hear us singing: bread and roses, bread and roses

[Pois o povo nos ouve cantando: pão e rosas, pão e rosas]

 

As we go marching, marching, we battle too for men

[À medida que marchamos, marchamos, nós também lutamos pelos homens]

 

For they are women's children and we mother them again

[Pois eles são filhos de mulheres e nós somos mães deles novamente]

 

Our lives shall not be sweatened from birth until life closes

[Nossas vidas não serão suadas do nascimento até que a vida termine]

 

Hearts starve as well as bodies.

[Os corações morrem de fome assim como os corpos.]

 

Give us bread, but give us roses!

[Deem-nos pão, mas deem-nos rosas!]

 

As we go marching, marching, unnumbered women dead

[À medida que marchamos, marchamos, inúmeras mulheres mortas]

 

Go crying through our singing heir ancient call for bread

[Vão chorando através do nosso canto seu antigo clamor por pão]

 

Small art and love and beauty their drudging spirits knew

[Pequena arte, amor e beleza seus espíritos oprimidos conheciam]

 

Yes, it is bread we fight for, but we fight for roses too

[Sim, é pelo pão que lutamos, mas também lutamos pelas rosas]

 

As we go marching, marching, we bring the greater days

[À medida que marchamos, marchamos, nós trazemos os melhores dias]

 

The rising of the women means the rising of the race

[Pois a ascensão das mulheres significa a ascensão da raça]

 

No more the drudge and idler - ten who toil where one reposes

[Chega de escravo e preguiçoso - dez que trabalham duro onde um repousa]

 

But the sharing of lives glories. Bread and roses, bread and roses.

[Mas a partilha das glórias de vidas. Pão e rosas, pão e rosas]

 

Os historiadores ainda discutem se as mulheres de Lawrence usaram os termos pão e rosas em seus cantos, cartazes, palavras de ordem, passeatas e demais momentos da luta. O importante para nós é constatar que elas encarnaram cada palavra do poema. Os dois meses de luta aos quais dedicaram corpo e alma eram o sol que iluminava as cozinhas escuras e os sótãos cinzentos onde a vida era consumida sem esperança na dura exploração do trabalho e nos sofrimentos de uma existência miserável.

Sim, em cada instante da greve elas viviam o antigo clamor por pão de milhões de vítimas da desnutrição, mas também a luta pelas rosas, ou seja, pelas coisas boas da vida. Nas ruas e praças de Lawrence, as mulheres não pediam licença para assumir o comando, simplesmente, faziam a luta acontecer ao batalharem, lado a lado, com os homens. Na dianteira dos momentos mais duros e perigosos, elas marcavam os passos do longo caminhar para uma realidade na qual não haveria ninguém que fosse escravo e nenhum preguiçoso que ficasse olhando dez que se esfolavam de tanto trabalhar. Um mundo onde todos trabalhariam para viver e a “partilha das glorias da vida” distribuiria entre todos as riquezas produzidas.

No dialogo entre a arte e os movimentos, o próprio Oppenheim oferece o seu poema a mulheres diferentes. Na publicação de dezembro de 1911, o havia dedicado às “Mulheres do Ocidente” das quais teria ouvido a expressão “pão e rosas” pela primeira vez. Em 1915, quando os seus versos foram publicados no livro The Cry for Justice: An Anthology of the Literature of Social Protest (O Clamor pela Justiça: uma Antologia da Literatura do Protesto Social), o poeta ofereceu a sua arte às mulheres de Lawrence. Ao fazê-lo, escreve:

“Numa passeata de grevistas em Lawrence, Massachusetts, algumas jovens carregavam uma faixa com os dizeres: Queremos pão e rosas também!”.[18]

Passado mais de um século daquele longínquo primeiro trimestre de 1912, anualmente, no dia 1º de maio, o Heritage Festival de Lawrence celebra a diversidade étnica e a história das lutas operárias da cidade. A música “Pão e Rosas” continua sendo cantada neste evento e em várias outras manifestações de protesto como o legado de uma construção que ainda não terminou.[19]

Das fábricas de Lawrence, seguimos agora para os arrozais do norte da Itália onde outros cantos marcaram o ritmo do trabalho e da luta.

 

4.2 Itália 1880-1965: as mulheres dos arrozais enfrentam seus feitores

Entre maio e junho de cada ano, nas planícies formadas pelo rio Pó, no norte da Itália, grupos de mulheres saiam dos vilarejos onde moravam para trabalhar nos arrozais. Eram chamadas de “mondine” por realizarem a “monda”, ou seja, a erradicação das ervas daninhas que sufocariam os pés de arroz a serem transplantados. Parte destas trabalhadoras sazonais morava nas proximidades dos campos de cultivo e parte vinha de outras regiões.

Trazer gente de fora tranquilizava os fazendeiros. As mulheres dos vilarejos a centenas de quilômetros dos arrozais não se conheciam e, de consequência, levariam mais tempo para tecer laços capazes de dar vida a qualquer forma organizada de protesto nos 45-55 dias em que trabalhariam juntas. Do mesmo modo, o fato de encararem a viagem em vagões ferroviários destinados ao transporte do gado para se esfolarem em um ambiente infestado por ratos, sanguessugas, insetos e cobras d’água eram um sinal de que a pressão da miséria familiar desaconselharia a perder dias e horas de serviço.

Um celeiro adaptado para servir de dormitório.


Ao desembarcar nas estações ferroviárias mais próximas, as mondinas colocavam nos ombros os sacos de tecido ou as pequenas malas de papelão com seus pertences e se dirigiam aos celeiros que serviam de dormitório. Colchões de palha e alguns fios de varal eram tudo o que encontravam naquelas acomodações improvisadas. A água para beber e cozinhar vinha dos poços cavados nas proximidades do alojamento, mas para lavar roupas, louças e tomar banho, as mulheres contavam apenas com algum riacho próximo.

Acordadas antes das cinco da manhã as mondinas tomavam um pouco de leite com pão e iam a pé ao arrozal. Três horas antes do almoço e sem que ninguém deixasse o seu posto, o feitor entregava a cada uma delas um pedaço de pão e uma concha metálica cheia d’água.


As necessidades fisiológicas era feitas recuando um pouco em relação às demais para não atrapalhar o andamento do trabalho. Quem podia aguentar, esperava a hora do almoço para se aliviar atrás de uma árvore ou em algum lugar mais afastado do grupo, pois este era o único momento em que era consentido sair do arrozal.

Curvadas, com a água entre os joelhos e os tornozelos, as mãos arrancado as ervas daninhas ou plantando as mudas, um lenço ou um chapéu de palha na cabeça, as mondinas usavam vestidos ou calças curtas, meias de algodão e mangas cumpridas para proteger as pernas e os braços das picadas dos insetos. As mangas cumpridas serviam também para esconder alguma rã capturada durante a labuta, ovos de pássaros retirados dos ninhos ou uma batata “roubada” a fim de enriquecer as magras refeições à base de arroz, feijão, polenta e, raramente, macarrão. 

As condições de trabalho da limpeza do terreno e do plantio das mudas.



Descalças no meio da lama, sob a chuva ou o sol, as mulheres formavam filas paralelas que seguiam em marcha ré nas quadras de terra que lhes eram destinadas durante uma jornada que variava de dez a doze horas diárias. A necessidade de avançarem juntas para garantir um trabalho sem falhas levava as mais rápidas a ajudarem as mais lentas, criando assim importantes momentos de solidariedade.
[20]

Os elementos que acabamos de listar permitem perceber que o equilíbrio entre a necessidade de se conformar para garantir algum recurso que minorasse a miséria e a possibilidade de alguma expressão revolta era sempre instável e incerto. O passado já havia mostrado aos fazendeiros que o fato de as mulheres não se conhecerem, por si só, não impedia que elas paralisassem o serviço naquele que era um momento delicado do cultivo do arroz.

Por outro lado, levar um grupo a sair do conformismo para a indignação e, desta, para a resistência organizada não era uma tarefa simples nas 7-9 semanas em que as pessoas trabalhavam juntas. As concepções religiosas que associavam a pobreza à vontade divina impregnavam o imaginário popular. Muitos padres pregavam o respeito sagrado às autoridades, apontavam o empregador como alguém sem o qual as pessoas não teriam sequer o pouco que conseguiam e afirmavam que o inferno era o destino de quem subvertia a ordem. Some o efeito apaziguador destes elementos ao medo que as mondinas tinham de não serem contratadas no ano seguinte e entenderá por que estimular a rebeldia demandava superar uma longa série de bloqueios e preocupações. Inúmeros os relatos de mães que, diante da exaustão das filhas ou de suas expressões de revolta reafirmavam a necessidade de aceitar a própria sina dizendo:

“Temos que ficar caladas. Eles é que mandam. Se nos rebelamos, para nós, não haverá mais trabalho”.[21]

Como organizar a resistência num cenário onde a resignação era de casa?

O primeiro passo veio da resposta ao silêncio imposto durante o trabalho. Os feitores proibiam às mulheres de conversarem durante a monda. De um lado, temiam que, ao se distraírem, elas tanto reduziriam o ritmo de trabalho, como deixariam para trás parte das ervas daninhas. De outro, patrões e encarregados temiam que estes contatos verbais, cujo conteúdo não conseguiam ouvir, fossem confabulações com as quais as mondinas preparavam alguma “vingança”. Por isso, as repreensões não dispensavam gritos, palavrões, ameaças, blasfêmias e, não poucas vezes, o capataz interrompia a conversa descendo nas costas das conversadeiras o bastão no qual se apoiava.

Foi para reagir a esta proibição que as mondinas começaram a entoar músicas conhecidas nos ambientes rurais da época. O repertório incluía letras que falavam de amor e de saudade, de patriotismo e da coragem de corpos especializados do exército. Outras  ironizavam normas morais da igreja, faziam gozação das “pessoas de bem” que as discriminavam por sua condição social e até se aventuravam nos terrenos proibidos de uma sexualidade sempre apontada como algo pecaminoso e degradante. Punir todas elas por cantarem juntas seria impossível e contraproducente, pois estimularia a vontade de dar o troco aumentando o volume da voz ou respondendo às humilhações sofridas com músicas e atitudes mais raivosas e ofensivas.

Passado algum tempo, o cantarem juntas produziu uma convergência de interesses. As mondinas conseguiam aliviar o cansaço, esquecer as dores do corpo, fazer o tempo passar mais depressa e até dar algumas risadas. Patrões e capatazes viram que, quanto mais animado o ritmo, mais as mulheres aceleravam a execução das tarefas. Foi assim que eles mesmos passaram a interromper os silêncios pedindo que cantassem  músicas animadas. O que nenhum deles esperava é que isso poderia se tornar uma forma de articular a resistência e medir a disposição para a luta.

Não demorou muito para que as melodias mais conhecidas servissem de base para letras que ironizavam feitores e fazendeiros sem que estes entendessem que estavam falando deles ou que jogos de rimas improvisadas se tornassem uma espécie de código para reduzir coletivamente o ritmo de trabalho. Daí para letras de denúncia, protesto e resistência foi um passo.[22] A seguir, vamos apresentar algumas das músicas “rebeldes” de acordo com o período histórico em que nasceram e se disseminaram entre as mondinas do vale do Pó.

Cantada em dialeto desde o final do século XIX, Senhor patrão das lindas calças brancas (Sciur padrun da li béli braghi bianchi) usa a ironia para chamar o patrão de vagabundo. Vamos acompanhar a letra que, se quiser, você pode ouvir em https://drive.google.com/file/d/1VBl5M-VmM-IzXEN7oQYZuV313Yh2ajJG/view?usp=drivesdk :

 

Sciur padrun da li béli braghi bianchi,

[Senhor patrão das lindas calças brancas]

fora li palanchi, fora li palanchi,

[solta o dinheiro, solta o dinheiro]

sciur padrun da li béli braghi bianchi,

[Senhor patrão das lindas calças brancas]

fora li palanchi ch’anduma a cà.

[Solta o dinheiro que vamos para casa].

 

Ascuza, sciur padrun s’a l’èm fat tribulèr,

[Desculpe senhor patrão se o fizemos penar]

iera li prèmi vòlti, iera li prèmi vòlti,

[eram as primeiras vezes, eram as primeiras vezes]

Ascuza, sciur padrun s’a l’èm fat tribulèr,

[Desculpe senhor patrão se o fizemos penar]

l’era li prèmi volti, ch’a’n saiévum cuma fèr.

[Eram as primeiras vezes, não sabíamos como fazer]

 

Sciur padrun da li béli braghi bianchi,

[Senhor patrão das lindas calças brancas]

fora li palanchi, fora li palanchi,

[solta o dinheiro, solta o dinheiro]

sciur padrun da li béli braghi bianchi,

[Senhor patrão das lindas calças brancas]

fora li palanchi ch’anduma a cà.

[Solta o dinheiro que vamos pra casa].

 

E non va piú a mesi e nemmeno a settimane

[Já não é questão de meses e nem de semanas]

La va a poche ore, la va a poche ore

[É questão de poucas horas, é questão de poucas horas]

E non va piú a mesi e nemmeno a settimane

[Já não é questão de meses e nem de semanas]

La va a poche ore, e poi dopo andiamo a cá.

[É questão de poucas horas, e depois vamos para casa]

 

Sciur padrun da li béli braghi bianchi,

[Senhor patrão das lindas calças brancas]

fora li palanchi, fora li palanchi,

[solta o dinheiro, solta o dinheiro]

sciur padrun da li béli braghi bianchi,

[Senhor patrão das lindas calças brancas]

fora li palanchi ch’anduma a cà.

[Solta o dinheiro que vamos pra casa].

 

E quando o treno scefla e i mundéin a la stassion

[E quando o trem assobia e as mondinas estão na estação]

con la cassietta in spala, con la cassietta in spala;

[Com a malinha no ombro, com a malinha no ombro]

E quando o treno scefla e i mundéin a la stassion

[E quando o trem assobia e as mondinas estão na estação]

con la cassietta in spala, su e giú per i vagon!

[Com a malinha no ombro, caminhando pelos vagões!]

 

Sciur padrun da li béli braghi bianchi,

[Senhor patrão das lindas calças brancas]

fora li palanchi, fora li palanchi,

[solta o dinheiro, solta o dinheiro]

sciur padrun da li béli braghi bianchi,

[Senhor patrão das lindas calças brancas]

fora li palanchi ch’anduma a cà.

[Solta o dinheiro que vamos pra casa].

 

Cantada com a vontade de se ver livre do trabalho penoso do arrozal, a letra ironiza os fazendeiros do começo ao fim. Identificar o patrão como o homem das lindas calças brancas num cenário onde as mondinas trabalhavam no meio do barro é dizer que ele não faz nada e desfruta do bom e do melhor. É contra essa figura que as mulheres costumavam gritar para que soltasse o pagamento que elas queriam voltar para casa.

Na primeira estrofe, as mondinas pedem desculpas por terem feito o patrão penar alegando que eram novatas e não sabiam fazer o serviço. Ora, não havia nada complexo ou que demandasse experiência nas tarefas que executavam. A parte mais difícil era aprender a lidar com a fadiga, a fome, a sede e a sensação de esgotamento físico que crescia ainda mais no final da temporada. Poupar energias, reduzir coletivamente o ritmo ou parar quando uma mondina passava mal gerava uma demora que fazia o patrão penar pelas horas ou dias de pagamento a mais que deveria desembolsar. Enquanto o “penar” das mondinas ocorria sob o peso do trabalho, o “penar” do patrão que nada fazia se limitava à dor no coração pelo dinheiro a mais que devia pagar.

Anos depois, em algumas regiões, as trabalhadoras acrescentaram uma estrofes  explicitando que o fazendeiro era uma pessoa muito boa só para pedir que se apressassem e fizessem as mãos andarem com a velocidade de um trem. Em outra versão, acrescentaram uma descrição do trabalho que alterava as operações para a limpeza do terreno. No lugar de erradicar as plantas daninhas, a letra, sempre cantada em dialeto, convidava a quebrá-las, arrancando apenas a parte acima da raiz. Desta forma, ninguém poderia dizer que as ervas não haviam sido removidas, mas, ao crescerem rapidamente graças às raízes que continuavam no solo, reduziriam a produção de arroz. Tudo leva a crer que, em determinados momentos de tensão, a música convidava a uma forma de sabotagem.[23]

A luta pela jornada de oito horas marca as greves das mondinas desde a segunda metade do século XIX. Entre os enfrentamentos mais duros, lembramos os que ocorreram na região de Vercelli, norte da Itália, quando, em junho de 1882, as manifestações pedindo aumento de salário e redução da jornada recuaram apenas depois que a polícia prendeu 19 mulheres.

Quase seis anos depois, no dia 29 de maio, os fazendeiros do município de Trino, no vercellese, afixaram um aviso na praça principal dizendo que o pagamento diário seria de 80 centavos de Lira para um trabalho que se estenderia durante as horas de luz da jornada. A notícia acendeu a revolta em todos os arrozais. Um rio de gente percorreu as ruas do vilarejo usando trapos de tecidos amarrados em pedaços de madeira como se fossem bandeiras. Fazendeiros e autoridades locais chamaram a cavalaria que prendeu 60 mulheres, das quais 25 foram condenadas a um ano e 12 dias de prisão. Assustados, os patrões aumentaram o pagamento para uma Lira e 25 centavos, mas mantiveram a duração da jornada.[24]

Região do Piemonte com a localização de Vercelli e do “vercellese” em verde claro.

Para termos uma ideia de como a revolta vinha se generalizando, ainda em junho de 1882, na cidade de Molinella, cerca de 30 km a leste de Bologna, as greves varriam os arrozais com as mesmas reivindicações. Os protestos foram contidos com uma ação de morde-assopra da maçonaria local. De um lado, os fazendeiros solicitaram ao governador que mandasse policiais e soldados para controlar a situação com o uso da força. De outro, prometeram à população que realizariam estudos para melhorar a situação das trabalhadoras locais.


[25]

M

Mapa da Emilia Romagna com a localização de Molinella



No dia 24 de maio de 1886, a história se repetia, desta vez com requintes de crueldade. As mondinas iniciavam uma greve para reduzir a jornada de trabalho e aumentar de 70 centavos para uma Lira o pagamento diário. Policiais e soldados entraram em cena para bater, prender e intimidar as grevistas. Apesar disso, longe de recuar, a greve se espalhou nas regiões próximas
.[26] Nas duas décadas seguintes, as coisas não seriam diferentes.

É neste contexto que, em 1906, nasce a música As oito horas (Le otto ore) que você pode ouvir através do link https://drive.google.com/file/d/1V-aHjktKsdk9j7eOV7VAaOv4I3xVOj4Z/view?usp=drivesdk

 

Le otto ore

Se otto ore vi sembran poche, provate voi a lavorar

[Se oito horas parecem poucas, experimentem vocês a trabalhar]

Se otto ore vi sembran poche, provate voi a lavorar

[Se oito horas parecem poucas, experimentem vocês a trabalhar]

 

E proverete la differenza di lavorare e di comandar

[E experimentarão a diferença entre trabalhar e mandar]

E proverete la differenza di lavorare e di comandar.

[E experimentarão a diferença entre trabalhar e mandar]

 

Se otto ore son troppo poche, chi non lavora non mangerá.

[Se oito horas são poucas demais, quem não trabalha não comerá]

Se otto ore son troppo poche, chi non lavora non mangerá.

[Se oito horas são poucas demais, quem não trabalha não comerá]

 

E quei vigliacchi di sfruttatori saranno loro a lavorar.

[E aqueles covardes de exploradores serão eles a trabalhar]

E quei vigliacchi di sfruttatori saranno loro a lavorar.

[E aqueles covardes de exploradores serão eles a trabalhar]

 

Construída sobre a melodia da música “A Bandeira Tricolor” (La Bandiera tricolor) que corria de boca em boca desde 1840, a letra rebate a ideia, comumente defendida pelos fazendeiros, pela qual trabalhar apenas 8 horas era pouco demais para o salário pago. A resposta cantada pelas mulheres colocava as coisas em pratos limpos. De um lado, apelava à diferença entre trabalhar e mandar, afirmando que os patrões não trabalhavam, mas apenas davam ordens. Sendo assim, nenhum deles sabia o que era se esfolar na monda durante dez-doze horas.

 De outro, se as oito horas eram poucas demais pelo salário pago, os fazendeiros que não trabalhavam, então, não deveriam ter direito a comer e, no futuro projetado a partir de uma reviravolta das relações de produção, seriam “aqueles covardes de exploradores a trabalhar”. Impossível não ver neste verso a influência das ideias anarquistas e comunistas que usavam estas expressões simples e diretas para visualizar as mudanças que levariam a um mundo de justiça e igualdade.

As lutas pelas oito horas marcaram fortemente o período de 1900 a 1910. A primeira vitória ocorreu em Vercelli, em 1º de junho de 1906, quando a greve das mondinas, apoiada pelos demais assalariados agrícolas, conseguiu conquistar a jornada de 8 horas. Três anos depois, as paralisações estenderiam a vitória a todos os arrozais do Piemonte e, em 1912, também aos da Lombardia e da Emilia Romagna.[27]

Paralelamente à agitação, a partir de 1898, iniciava a organização das Ligas Camponesas. Tratava-se de um trabalho árduo tanto em função da ação patronal e da postura da igreja católica, como pelo baixo grau de alfabetização dos assalariados agrícolas. Em 1 de dezembro de 1900, nasceu o jornal A Risaia (O Arrozal), vinculado ao Partido Socialista, que durante décadas foi o elo de ligação das mondinas do Piemonte.[28]

Cópia do jornal A Risaia de 17 de junho de 1911



É justamente no processo de formação e consolidação das organizações camponesas que, entre 1900 e 1914, nasceu “A Liga” (La Lega).[29] Vejamos o que diz a letra desta canção, cuja versão em italiano você pode ouvir em: https://drive.google.com/file/d/1V2LKE6bXC5LKAS1DFBakr7zYY-nqKrZv/view?usp=drivesdk

La Lega

 

Sebben che siamo donne, paura non abbiamo

[Apesar de sermos mulheres, medo é o que não temos]

Per amor dei nostri figli, per amor dei nostri figli 

[Por amor dos nossos filhos, por amor dos nossos filhos]

Sebben che siamo donne, paura non abbiamo

[Apesar de sermos mulheres, medo é o que não temos]

Per amor dei nostri figli, in lega ci mettiamo

[Por amor dos nossos filhos, nos unimos na liga]

 

A oilí oilí oilá e la lega crescerá

[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]

E noialtri lavoratori, e noialtri lavoratori

[E nós trabalhadores, e nós trabalhadores]

A oilí oilí oilá e la lega crescerá

[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]

E noialtri lavoratori vogliam la libertá

[E nós trabalhadores queremos a liberdade]

 

E la libertá non viene perché non c’é l’unione

[E a liberdade não vem porque não há união]

Crumiri col padrone, crumiri col padrone

[Pelegos com o patrão, pelegos com o patrão]

E la libertá non viene perché non c’é l’unione

[E a liberdade não vem porque não há união]

Crumiri col padrone son tutti da ammazzar

[Pelegos com o patrão são todos pra matar]

 

A oilí oilí oilá e la lega crescerá

[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]

E noialtri lavoratori, e noialtri lavoratori

[E nós trabalhadores, e nós trabalhadores]

A oilí oilí oilá e la lega crescerá

[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]

E noialtri lavoratori vogliam la libertá

[E nós trabalhadores queremos a liberdade]

 

Sebben che siamo donne, paura non abbiamo

[Apesar de sermos mulheres, medo é o que não temos]

Abbiam delle belle buone lingue, abbiam delle belle buone lingue

[Temos línguas bem afiadas, temos línguas bem afiadas]

Sebben che siamo donne, paura non abbiamo

[Apesar de sermos mulheres, medo é o que não temos]

Abbiam delle belle buone lingue e ben ci difendiamo

[Temos línguas bem afiadas e nos defendemos bem]

 

A oilí oilí oilá e la lega crescerá

[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]

E noialtri lavoratori, e noialtri lavoratori

[E nós trabalhadores, e nós trabalhadores]

A oilí oilí oilá e la lega crescerá

[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]

E noialtri lavoratori vogliam la libertá

[E nós trabalhadores queremos a liberdade]

 

E voialtri signoroni che ci avete tanto orgoglio

[E vocês ricaços que tens sempre tanto orgulho orgulho]

Abbassate la superbia, abbassate la superbia

[Diminuam a soberba, diminuam a soberba]

E voialtri signoroni che ci avete tanto orgoglio

[E vocês ricaços que tens sempre tanto orgulho]

Abbassate la superbia e aprite il portafoglio

[Diminuam a soberba e abram a carteira]

 

A oilí oilí oilá e la lega crescerá

[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]

E noialtri lavoratori, e noialtri lavoratori

[E nós trabalhadores, e nós trabalhadores]

A oilí oilí oilá e la lega crescerá

[A oilí oilí oilá e a liga crescerá]

E noialtri lavoratori vogliamo la libertá

[E nós trabalhadores queremos a liberdade]

 

Considerada a primeira canção da luta proletária das mulheres italianas, A Liga convida à união de todas as mondinas questionando os aspectos centrais do senso comum da época. À fragilidade, ao medo, à suposta incapacidade de lidar com a política, ao papel de mãe cuja preocupação com os filhos leva a mulher a se afastar de tudo o que poderia trazer consequências negativas para a família, as mondinas opõem a adesão à Liga como o ato de quem não tem medo de lutar e luta porque ama os próprios filhos. Não o amor de quem, por temer as privações que a própria luta pode trazer, prefere não se envolver em nada, mas, sim, o amor de uma mãe que, se unindo à liga, quer para os filhos um futuro livre da escravidão da miséria.

E a fazer a liga crescer será, justamente, esta luta pela liberdade. Uma liberdade que não vem por falta de união e pela divisão criada pelos pelegos (crumiri). O recado para eles é límpido e cristalino: não haverá piedade para quem, sendo trabalhador, trai a sua classe para beneficiar a si próprio. Daí que eles sofrerão o mesmo destino dos patrões: são todos pra matar.

A terceira estrofe responde ao preconceito dos homens que intimavam as mulheres a se calarem por não saberem nada, por falarem à toa ou por terem a língua solta. A eles, as mondinas declaram em alto e bom som que têm línguas bem afiadas e se defendem muito bem. Desta forma, também não precisam de ninguém que fale por elas, pois a ampliação das fileiras da Liga dará conta de fazer ressoar a voz que se ergue dos arrozais.

A música se encerra com um recado aos fazendeiros que aponta os primeiros passos do movimento: vocês que estão sempre cheios de orgulho, enfrentarão nossa luta pela liberdade que os fará baixarem a crista e abrirem a carteira para aumentarem os nossos salários. O futuro em direção ao qual a Liga caminha tem nesta queda de braço, de igual para igual, o seu primeiro passo.


Mas, o que nunca veio de mãos beijadas ficaria ainda mais difícil durante o fascismo. Em fevereiro de 1927, por exemplo, devido à queda dos preços do arroz e com o consentimento dos sindicatos fascistas, os patrões da região de Vercelli decidiram reduzir os salários das mondinas em 30%. Nas semanas até maio, quando iniciavam os trabalhos nos campos de cultivo, grupos de trabalhadoras realizaram uma série de reuniões clandestinas nos principais centros produtores para articularem a defesa dos salários.

Apesar do aparato repressor do fascismo, o jornal “La Risaia” divulgou uma edição especial na qual se pedia a todas as mondinas que bloqueassem o acesso aos arrozais a partir de abril a fim de atrasar a preparação das mudas. A repressão da polícia fascista foi duríssima desde o primeiro instante. Apesar disso, as mulheres levaram adiante o plano de luta com o apoio das demais organizações camponesas e de membros do Partido Comunista que atuavam na região.


No dia 10 de junho de 1944, na região de Bologna, foi publicado o jornal “A Mondariso” (sinônimo de mondina que era mais usado na Emilia Romagna).[31] Impresso
clandestinamente, o material informava das vitórias obtidas em algumas greves realizadas na região, pedia apoio à luta partisan e trazia a pauta de reivindicações que seria adotada na paralisação de 1200 mondinas de Molinella entre os dias 13 e 17 do mesmo mês.

Cópia do primeiro número de “La Mondariso”.

No primeiro dia da greve, grupos fascistas prenderam muitas mulheres. Longe de se intimidarem, as mondinas protestaram na praça da cidade para reivindicar a libertação das companheiras. Na manhã do dia 14, os fascistas encurralaram um grupo delas a caminho do arrozal onde realizariam um piquete, esbofetearam e bateram em todas elas com pedaços de paus. Dez mulheres foram enfileiradas na que se apresentava como uma execução iminente.

Apesar do grande número de pessoas detidas, as manifestações continuaram. No dia 15, partisans armados apareceram nos arrozais e os fascistas recuaram. A greve conseguiu manter a jornada de 8 horas, trouxe um pequeno aumento dos salários, a suspensão dos trabalhos quando dos alarmes antiaéreos e o não desconto das horas perdidas durante os bombardeios.

Numa luta que somava forças contra a ditadura fascista, nas semanas seguintes, os partisans dificultaram a colheita do milho na mesma região. Incendiaram e explodiram algumas colheitadeiras, mataram vários milicianos fascistas que faziam a escolta armada dos equipamentos, esconderam e distribuíram entre os assalariados agrícolas o milho subtraído aos fazendeiros.[32]

O fim da segunda guerra mundial, em 1945, trouxe alívio e novas preocupações. Os cinco anos até 1950 foram particularmente duros para a classe trabalhadora italiana. O país enfrentava os problemas da reconstrução num cenário de miséria e desemprego que levou muita gente a migrar para Bélgica, Suíça, Alemanha, França e outras nações europeias. O governo eleito não só continuava tratando os protestos sociais como caso de polícia, como havia criado corpos de agentes treinados para reprimir greves e manifestações populares com requintes de crueldade. Em 1949, por exemplo, seis mondinas foram assassinadas por eles durante uma manifestação em Molinella.[33]

Desarmamento dos grupos partisans, fome, desemprego e repressão faziam com que os patrões tivessem faca e queijo na mão na hora de decidir como e quanto aprofundar a exploração. E, para piorar as coisas, grande parte dos políticos de centro, que haviam apoiado a resistência ao fascismo e conheciam por dentro a organização dos trabalhadores, defendiam abertamente os interesses empresariais como parte do compromisso para a reconstrução do país.

Esta realidade que negava as esperanças alimentadas durante a luta contra o fascismo e justificava os retrocessos nas relações de trabalho se refletia na mescla de sofrimento e revolta expressa neste que é um dos primeiros cantos das mondinas do pós-guerra: “Diremos adeus ao senhor patrão” (Saluteremo il signor padrone) que você pode ouvir em italiano acessando o link https://drive.google.com/file/d/1Twin86785h6neD5D9Wj3t1HsZU55POov/view?usp=drivesdk

 

Saluteremo il signor padrone

 

Saluteremo il signor padrone per il male che ci ha fatto

[Diremos adeus ao senhor patrão pelo mal que nos fez]

che ci ha sempre maltrattato fino all’ultimo momen’

[Ele que sempre nos maltratou até o último momento]

 

Saluteremo il signor padrone con la sua risera neta

[Diremos adeus ao senhor patrão com o seu arrozal limpo]

pochi soldi in la casseta e i debiti da pagar

[Pouco dinheiro na mala e as dívidas para pagar]

 

Macchinista, macchinista faccia sporca, metti l’olio nei stantuffi

[Maquinista (de trem), maquinista cara suja, põe óleo nos pistões]

di risaia siamo stufi, di risaia siamo stufi.

[estamos fartas de arrozal, estamos fartas de arrozal]

Macchinista, macchinista faccia sporca, metti l’olio nei stantuffi

[Maquinista (de trem), maquinista cara suja, põe óleo nos pistões]

di risaia siamo stufi, a casa nostra vogliamo andar.

[Estamos fartas de arrozal, queremos ir para a nossa casa]

 

Con un piede, con un piede sulla staffa e quell’altro sul vagone

[Com um pé, com um pé no estribo e o outro no vagão]

Ti saluto cappellone, ti saluto cappellone.

[Adeus chapelãozão, adeus chapelãozão]

 

Con un piede, con un piede sulla staffa e quell’altro sul vagone

[Com um pé, com um pé no estribo e o outro no vagão]

ti saluto cappellone, a casa nostra vogliamo andar.

[Adeus chapelãozão, queremos ir para a nossa casa].

 

À diferenças das músicas apresentadas anteriormente, não encontramos aqui nem a ironia do Sciur Padrun, nem o protesto de Le otto ore e, menos ainda, a garra de La Lega. A carga de sofrimento vivida no trabalho foi traduzida com a vontade de dizer adeus ao patrão e ao arrozal limpo que consumiam a vida das mondinas. A revolta nascida dos maus tratos se amplia na percepção do magro salário para pagar as dívidas, mas não vai além da vontade de nunca mais voltar àquela exploração. Contudo, para a grande maioria daquelas mulheres, a chance de realizar este desejo em curto prazo era remota.

Em meio às contradições do pós-guerra e irmanadas no sofrimento do arrozal, as mondinas levariam um tempo para resgatar a identidade coletiva de resistência que, durante décadas, esteve na base de suas lutas. Uma das expressões musicais que retoma este processo apareceu em 1950, quando Pietro Besate, um dirigente comunista de Vercelli, diretamente envolvido com a luta delas, escreveu uma letra que percorreria todos os arrozais da Itália do norte.

Composta tendo como base a melodia de “A andorinha” (La rondinella), uma antiga canção popular do vale do Pó, as estrofes resgatam a identidade destas trabalhadoras, os momentos marcantes de sua história de luta e o orgulho por um trabalho desprezado pelas “pessoas de bem”. Mais uma vez, você pode ouvir a música através do link https://drive.google.com/file/d/1V6_URihr9jw5KAsEK1As1Ll6FnXLl4Mq/view?usp=drivesdk

 

Son la mondina, son la sfruttata

 

Son la mondina, son la sfruttata, son la proletaria che giammai tremó

[Sou a mondina, sou a explorada, sou a proletária que nunca tremeu]

Mi hanno uccisa e incatenata, carcere e violenza, nulla mi fermó.

[Me mataram e acorrentaram, cárcere e violência, nada me parou]

 

Coi nostri corpi sulle rotaie, noi abbiamo fermato il nostro sfruttator

[Com nossos corpos nos trilhos, nós paramos o nosso explorador]

C’é tanto fango nelle risaie, ma non porta macchia il simbol del lavor

[Há muita lama nos arrozais, mas não há manchas no símbolo do trabalho]

 

Ed ai padroni farem la guerra, tutte unite insieme noi la vincerem

[E faremos guerra aos patrões, todas juntas, unidas, nós a venceremos]

Non piú sfruttati sulla terra, ma piú forti dei cannoni noi sarem

[Nunca mais explorados sobre a terra, e seremos mais fortes dos canhões]

 

Questa bandiera gloriosa e bella noi l’abbiam raccolta e la porterem piú su

[Esta bandeira gloriosa e bela nós a recolhemos e a ergueremos ainda mais]

Dal Vercellese a Molinella, alla testa della nostra gioventu

[Da região de Vercelli a Molinella, à frente da nossa juventude]

 

E lotteremo per il lavoro, per la pace e il pane e per la libertá

[E lutaremos pelo trabalho, pela paz, pelo pão e pela liberdade]

E costruiremo un mondo nuovo, di giustizia e di vera civiltá

[E construiremos um mundo novo, de justiça e de verdadeira civilização].

 

A letra resgata a firmeza e a força de uma mulher que, submetida às formas mais duras de exploração e violência, nunca vacilou na luta a ponto de, em junho de 1909, usar o próprio corpo para parar a corrida do trem onde os patrões traziam centenas de mulheres contratadas para substituir as mondinas que haviam paralisado o trabalho na região de Vercelli.[34] 

A música traz também o orgulho do próprio ofício. Ao dizer que “há muita lama nos arrozais, mas não há manchas no símbolo do trabalho”, as mulheres contestavam quantos, em seus vilarejos de origem, fossem eles ricos ou remediados, consideravam sua labuta sazonal como algo típico de gente miserável, ignorante, desprezível e de comportamentos moralmente condenáveis. De alguma forma, era como se a lama que, no final da jornada, cobria as pernas e os braços das mondinas fosse a marca registrada de um trabalho privo de qualquer dignidade. Neste contexto, afirmar o orgulho do próprio ofício era o primeiro passo para ir à luta de cabeça erguida.

A estrofe seguinte afirma com todas as letras o objetivo desta luta: fazer guerra aos patrões com uma união mais forte dos canhões para que não haja mais exploração sobre a terra. Novamente, mais do que a uma figura de linguagem, o texto se refere a situações históricas conhecidas desde 1906, quando peças de artilharia manuseada por soldados do exército foram posicionadas nas rotas de acesso aos campos de cultivos e às casas dos fazendeiros para impedir que as mondinas em greve se aproximassem delas.

Da esquerda para a direita: Maria, Kat e Nádia.

Os versos seguintes traçam uma ponte entre passado, presente e futuro. O fim da exploração é a bandeira que as mondinas recolhem do passado e erguem ainda mais. Uma bandeira que, da região de Vercelli a Molinella, lugares que, desde o início, conheceram os maiores enfrentamentos com os patrões, será colocada à frente da juventude como um guia para o futuro. Este objetivo maior começa com o compromisso imediato de lutar pelo trabalho, pela paz, pelo pão e pela liberdade que seguiam ameaçados no pós-guerra e sem os quais não haveria um mundo novo, de justiça e de verdadeira civilização.

Nos anos de 1960, a mecanização começou a tomar o lugar das mondinas. Hoje, o ronco dos tratores é o único barulho a romper o silêncio dos arrozais. Mas, em várias cidades do norte da Itália, ainda é comum encontrar grupos folclóricos que, em suas apresentações, fazem ecoar as letras destas músicas.

Do vale do Pó, seguimos agora para Moscou, onde um grupo punk usa suas composições para questionar o autoritarismo de quem busca se eternizar no poder.


4.3 Pussy Riot: palavras quebrarão cimentos

Moscou, 17 de agosto de 2012, três jovens mulheres exibiam aos fotógrafos a sentença que as condenava a dois anos de reclusão numa colônia penal. A serenidade com a qual Maria Alyokhina (de 24 anos, também conhecida pelo apelido de Mascha), Yekaterina Samutsevich, (Kat, de 30 anos) e Nadezhda Tolokonnikova (Nàdia, de 22 anos) recebiam o veredicto da Corte expressava a consciência de que elas, apesar de presas, eram mais livres de quem se submeteu aos ditames do poder para calar as suas vozes. 

Fora do tribunal, uma turma que torcia pelo reconhecimento da sua inocência sofreu as investidas de uma dura repressão policial.  Rapidamente, a notícia da condenação desencadeou protestos no mundo artístico fora da Rússia, manifestações populares pela revogação da pena em várias cidades europeias e grupos de apoio começaram a se formar para dar o suporte possível às condenadas.[35]

Mas quem são essas jovens que, como integrantes do grupo Pussy Riot (a Revolta da Buceta) estavam sendo condenadas por encenarem uma música na Catedral do Cristo Salvador em Moscou? Por que as canções do grupo soavam como uma ameaça nos círculos do poder controlados por Vladimir Puttin? É o que vamos resgatar a seguir.

As trajetórias que levaram Maria, Kat e Nádia a Pussy Riot partem de experiências bem diferentes. Maria deu os primeiros passos da militância coletando assinaturas contra a derrubada de uma floresta onde seria construída a mansão de Dimitri Medvedev, braço direito de Puttin. Sem nunca ter feito isso e sem contar com o apoio de ativistas experientes em seu círculo de amigos e conhecidos, ela coletou 4.300 assinaturas em uma semana e ampliou o apoio ao movimento entrando em contato com artistas e estudantes de um grupo ambientalista da Universidade Estatal de Moscou.

Em novembro de 2008, quando começou o corte das árvores, ela estava entre as dezenas de pessoas que usaram seus próprios corpos para proteger os troncos. Com o filho acomodado em um sling, passava o dia na floresta para impedir a ação de tratores e motosserras. À noite, deixava a criança com algum familiar para coordenar reuniões e participar de comícios e piquetes. Tempos depois, se inscreveu na faculdade de jornalismo onde um grupo anarquista conseguiu convencê-la a trocar as causas ecológicas pela luta política contra Puttin.[36] Foi no espaço da Universidade que Maria encontrou Kat e Nádia pela primeira vez.

Maria com o filho Filipp.

Crescida num ambiente conservador e considerada pela imprensa como a mais quietinha do grupo, Kat foi encaminhada pelo pai à área de programação de computadores. Formada, conseguiu empregos mal-remunerados na cidade onde morava e, em seguida, entrou na equipe que estava construindo um novo submarino para a marinha militar. Na hora de se deslocar para a cidade onde seriam feitos os testes finais do equipamento, o pai impediu que ela fosse. Apesar de autoritária, a decisão se revelou providencial. De fato, a rápida propagação de um incêndio durante as avaliações de desempenho do submarino matou e feriu várias pessoas da sua antiga equipe.

Kat, em 2013.

Decidida a mudar de carreira, se matriculou em um curso de fotografia. Em dezembro de 2007, os professores encarregaram a turma de retratar as eleições parlamentares que ocorreriam naquele mês. Com credenciais fornecidas pela prefeitura, os alunos foram às zonas eleitorais para dar conta do trabalho escolar. Mas, longe de encontrar alguém que facilitasse as coisas, vários estudantes foram agredidos, presos ou expulsos sem terem feito nada que justificasse as hostilidades sofridas.


A percepção de que havia algo errado seria maior ainda em março de 2008 quando Kat e uma amiga decidiram fotografar as eleições presidenciais nas quais, Medvedev, braço direito de Puttin, estava concorrendo praticamente sem oposição. Com a lista nas mãos, escolheram uma zona eleitoral situada em um endereço que parecia estranho. Ao chegar no local, não encontraram salas com urnas e mesários e sim um hospital psiquiátrico que servia de fachada para uma fraude conhecida: coletar os votos dos mortos.

De corredor em corredor, as duas mulheres retrataram a si mesmas procurando o local de votação até serem expulsas pelos seguranças. Dias depois, Kat conheceu Nádia durante uma mostra estudantil da escola de fotografia e decidiu se unir a ela e a Piêtia, o marido, para dar continuidade às ações do Voiná, um grupo que fazia protestos performáticos em Moscou contra a corrupção e as manobras espúrias das autoridades.[37]

Ao chegar sozinha na capital da Rússia com apenas 16 anos de idade, Nádia teve que se virar para sobreviver. Em suas idas e vindas, entrou em contato com os integrantes do Grupo Voiná e se uniu a eles nas ações de protesto. Na época, o clima político do país era marcado por um processo de expansão das relações de poder de Puttin. As alianças com a elite russa lhe permitiam controlar a televisão e a maioria das rádios locais, o que acabava deixando a oposição com pouquíssimo espaço na mídia.

Na tentativa de esboçar uma reação, entre 2005 e 2008, uma coligação de forças heterogêneas lideradas pelo campeão de xadrez Gárri Kaspárov, um dos homens mais respeitados e amados da Rússia, organizou as Marchas dos Descontentes. A crescente repressão policial conseguiu acabar com esses protestos que chegaram a reunir mais de 5.000 pessoas.

Diante deste cenário, Nádia percebia que, apesar dos focos de descontentamento, a esmagadora maioria da população estava encantada com o consumismo possibilitado pela recuperação econômica dos primeiros dois mandatos de Puttin. Um encantamento que, além de anestesiar suas consciências diante da repressão dos opositores, garantia que Puttin transferisse seus votos para o fiel escudeiro Dimitri Medvedev, de cujo governo seria o Primeiro-Ministro.

Mas, o que fazer para provocar uma reflexão que a maioria queria evitar?

Nádia com a filha Gera.

Buscando construir uma resposta, o grupo Voiná organizou várias ações destinadas e chocar as pessoas. Uma delas, em 29 de fevereiro de 2008, um dia antes da eleição de Medvedev, cinco casais fizeram sexo no Museu de Biologia e filmaram tudo. Nádia, grávida de nove meses, e Piêtria participaram da ação que foi divulgada sob o título a “Trepada do Ursinho Herdeiro”, um trocadilho com o sobrenome de Medvedev que provem da palavra russa para urso. O local da performance foi escolhido por sua associação com os animais e a mensagem buscava mostrar que a política russa, a exemplo da pornografia, não passava de uma imitação comercial da paixão.

Deste momento em diante, o grupo preparou e executou várias peças. Em junho de 2008, por exemplo, foi a vez do “policial de batina”. Dois membros do Voiná, vestindo a batina preta dos sacerdotes ortodoxos e um quepe policial, enchiam um carrinho de compras e saíam do supermercado sem pagar para mostrar que sacerdotes e policiais eram ladrões.

Dois anos depois, outros integrantes pintaram o gigantesco contorno de um pênis em metade de uma ponte levadiça em frente da sede do Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB, sucessor da KGB), na cidade de São Petersburgo. No dia seguinte, quando a ponte foi erguida, o pênis ficou ereto bem diante das janelas da sede. A cena foi filmada e divulgada com o título “Foda-se a FSB”.

Apesar da ousadia, estas ações passaram longe de atingir seu objetivo, mas eram o passo possível para quem, com pouquíssimos recursos financeiros, buscava uma forma de protesto que forçasse as pessoas a pensarem. O grupo Voiná se desfez tempos depois quando parte dos seus integrantes que haviam optado por destruir viaturas policiais foi preso pelos agentes.[38] Vontade de dar continuidade aos protestos não faltava, só restava escolher o caminho que melhor permitiria fazer isso com recursos limitadíssimos e diante de uma polícia atenta às movimentações de velhos e novos opositores.

O primeiro passo para a formação de um novo grupo foi dado por Nádia e Kat que, sem nenhuma formação musical, pegaram uma faixa da banda punk britânica Cockney Rejects e, com um gravador digital, sobrepuseram ao texto original a letra de “Mate o machista” que haviam acabado de escrever. Desde o início, decidiram que as apresentações em público seriam feitas usando vestidos, meias e balaclavas de cores vivas para mostrar que o traje era intencional e para manter o anonimato das integrantes.

Com o apoio de outras pessoas para realizar as filmagens, as apresentações da música que convidava as mulheres a saírem das prisões do machismo e a virarem feministas eram sempre feitas em locais proibidos. Mas, para criticar o sistema, era necessário não só ampliar o grupo, como lançar mão de ideias que denunciassem claramente o autoritarismo de Puttin.[39]

Sem divulgar os nomes e os rostos dos integrantes por motivos de segurança, o grupo se apresentou pela primeira vez como Pussy Riot no dia 7 de novembro de 2011 com a música “Solte os paralelepípedos”:

 

Solte os paralelepípedos

Os eleitores estão enfiados em salas de aula

Cabines de votação aumentam o fedor de salas sufocantes,

Cheiro de suor e cheiro de controle,

Os pisos foram varridos e a estabilidade foi servida.

 

Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!

Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!

 

Os sanitários foram limpos, as garotas vestidas à paisana,

o fantasma de Zizek desceu pela descarga,

A floresta Khimki foi cortada, Tchírikova, chutada das eleições,

as feministas despachadas em licença maternidade.

 

Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!

Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!

 

Nunca é tarde demais para assumir o comando.

Cassetetes são empunhados, os gritos ficam mais altos.

Estique os músculos de braços e pernas.

E o policial irá lamber você entre as pernas.

 

Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!

Solte os paralelepípedos! Solte os paralelepípedos!

 

O ar egípcio é bom para os pulmões,

Transforme a Praça Vermelha na Praça Tahir,

Passe um dia inteiro entre mulheres fortes,

Pegue um picador de gelo na varanda e solte os paralelepípedos.

 

Tahir! Tahir! Tahir! Bengasi!

Tahir! Tahir! Tahir! Trípoli!

O açoite feminista é bom para a Rússia.[40]

 

Cantada e gritada ao estilo punk, a letra convidava a sair dos ambientes impregnados de controle dos processos eleitorais para tomar as ruas e, a exemplo do que era comum em várias cidades europeias, soltar os paralelepípedos a fim de usá-los como armas contra os policiais encarregados de reprimir os manifestantes.

As “garotas à paisana” são uma alusão às agentes disfarçadas que, desde as primeiras apresentações públicas de “Mate o Machista” acompanhavam as performances do grupo. Como parte do sistema, a ação delas buscava acabar com tudo o que se opunha a Puttin. Dos escritos de Slavoj Zizek que negava a autoridade e a falsa liberdade de escolha alardeada pela sociedade pós-moderna à resistência contra o corte da floresta, da exclusão do pleito de Tchírikova às feministas, tudo devia ser jogado pela descarga, esquecido, banido ou colocado no lugar que o poder havia lhe destinado.

Diante de todas as investidas que sufocavam as esperanças de mudança, Pussy Riot declarava que nunca é tarde para assumir o comando, para reagir, para encher os pulmões com o mesmo ar da Primavera Árabe, dos protestos na praça Tahir, no Egito, e em outras capitais da região. Uma mudança que começaria na convivência com mulheres fortes, feministas, prontas a pegar o picador de gelo para levantar os paralelepípedos.

O vídeo da música viralizou e Pussy Riot chegou à imprensa. Uma matéria dizia:

“Parece que novos malucos urbanos estão à solta no país. Um grupo feminista, que se autointitula Pussy Riot, é formado por cinco garotas que usam máscaras e, cantando muito mal, berram canções que falam da tirania do trabalho doméstico, da tripla jornada de trabalho das mulheres, de tendências revolucionárias contemporâneas e das maneiras certas de subjugar os homens. E elas cantam apenas em lugares onde isso é ilegal, como no teto dos ônibus ou no metrô”.[41]

A banda achou perfeito o comentário, à medida que considerava as intervenções não autorizadas pelas autoridades como um princípio central da sua ação. Razões para isso não faltavam. Com Puttin apertando o cerco, qualquer manifestação realizada com a permissão do poder público nunca seria vista como um questionamento ou uma ameaça, mas tão somente como algo cuja mensagem seguia o fluxo definido pelo Kremlin. Por isso, apesar dos riscos que comportava, usar os espaços proibidos era a única forma de chamar a atenção para a crítica que a performance queria veicular.

Enquanto isso, a repressão não perdia tempo e investia duramente contra todas as marchas de protesto que denunciavam as fraudes ocorridas na eleição parlamentar de 5 de dezembro de 2011. Centenas de pessoas foram detidas e novas manifestações foram convocadas pedindo a sua libertação. Numa delas, Nádia e Kat também foram presas e passaram a noite na delegacia. Ao serem soltas, ambas tinham claro qual seria o próximo lugar em que Pussy Riot se apresentaria: o Centro de Detenções Especiais número 1, onde havia dezenas de condenados por participarem dos protestos.

No dia 14 de dezembro, subiram no telhado da garagem do presídio. Puxada a escada para impedir que a polícia subisse no lugar onde estavam, vestiram as balaclavas, desenrolaram uma faixa com as palavras “liberdade de protesto” e começaram a cantar:

 

Hora de aprender a ocupar as praças,

Poder para as massas, fodam-se os líderes.

A ação direta é o futuro da humanidade.

LGBT, feministas, levantem-se pela pátria!

Morte ao cárcere, liberdade para os protestos!

Façam os policiais trabalharem pela liberdade,

Os protestos servem para melhorar o clima,

Ocupem as praças, tornem a posse pacífica,

Desarmem todos os policiais.

 

Morte ao cárcere, liberdade para os protestos!

 

Encham as cidades, as ruas e as praças.

Há muito a fazer na Rússia, [policiais] deixem de comer ostras,

Abram as portas, joguem fora suas dragonas,

venham e experimentem a liberdade conosco.

 

Morte ao cárcere, liberdade para os protestos! [42]

 

Enquanto cantavam, vários rostos apareceram nas janelas do Centro de Detenção e a segunda vez em que Pussy Riot entoou “Morte ao cárcere!” os detentos responderam “liberdade para os protestos!”. Em seguida, cantaram todos juntos “O povo unido jamais será vencido!” Terminada a apresentação, as integrantes do grupo baixaram a escada e desceram. Ninguém tentou detê-las.

Nas duas semanas seguintes, houve uma profusão de manifestações contra Puttin e pela libertação dos presos políticos. Pussy Riot entrou na dança. Centenas de pessoas participavam de reuniões nas que haviam se tornado “oficinas de protestos” para preparar ações em vários pontos de Moscou. Os acontecimentos mostravam que Pussy Riot havia conseguido dar vida a um movimento muito maior, mas, ao mesmo, tempo, sabia que, ao se tornarem comuns, estas manifestações deixariam de incomodar os detentores poder.

Ao pensar em algo mais arrojado, o grupo planejou uma ação na Praça Vermelha onde havia uma estrutura conhecida como Lobnoie Mesto, uma plataforma circular, de pedra, com cerca de 13 metros de diâmetro e 2 metros e meios de altura. Era deste lugar que, a partir de 1600, os czares liam à população os seus decretos e seria deste lugar a 200 metros do Kremlin que Pussy Riot gravaria uma nova apresentação.

No dia 20 de janeiro de 2012, a banda subiu na estrutura e se posicionou de uma forma que dificultasse a sua retirada da plataforma por parte da polícia. Vestidas as balaclavas e com suas roupas coloridas, cantaram a letra desta música cujo clipe você pode ver acessando https://youtu.be/5C4ZvODrazE?feature=shared :

 

Uma fila de rebeldes se dirige para o Kremlin.

As janelas do FSB estão estourando.

As vadias mijam nas calças atrás das paredes vermelhas.

Riot está abortando o sistema!

Apresentação do Pussy Riot no Lobnoie Mesto

 

Um motim russo, o chamariz do protesto.

Um motim russo, Puttin mijou nas calças.

Um motim russo mostra que nós existimos.

Um motim russo, riot, riot.

 

Saia, Viva na Vermelha,

Mostre liberdade, raiva cívica.

 

Cansada da cultura de histeria masculina.

O culto à liderança está apodrecendo o cérebro.

A religião ortodoxa é um pau duro.

Pacientes são instruídos a acatar a conformidade.

 

O regime quer censurar seus sonhos.

É hora de entender, hora de confrontar.

Um bando de vadias do regime machista

Está implorando perdão ao exército feminista.

 

Um motim russo, o chamariz do protesto.

Um motim russo, Puttin mijou nas calças.

Um motim russo mostra que nós existimos.

Um motim russo, riot, riot.


Saia, Viva na Vermelha,

Mostre liberdade, raiva cívica.[43]

 

Os agentes da segurança presidencial cercaram o local assim que as oito mulheres começaram a cantar mas não conseguiram tirá-las de lá. No final da apresentação, todas acabaram na delegacia. Completada a identificação, foram liberadas.

O vídeo tornou Pussy Riot ainda mais conhecida. As revistas de Moscou entrevistaram o grupo e fotografaram alguns ensaios, querendo saber qual seria a próxima ação. Enquanto isso, os protestos cresciam como uma boa de neve e Puttin, preocupado em contê-los, mobilizou um dos seus principais aliados: a igreja ortodoxa. No dia 3 de fevereiro, véspera de uma grande marcha, sacerdotes de todo o país instruíram seus paroquianos a se absterem de protestar.

O próprio patriarca, Cirilo I, em um discurso aos fiéis, disse que, ao se tornar presidente no ano 2000, Puttin havia tirado o país do desastre, e aqueles que o criticavam iriam colocá-lo novamente no caminho da destruição. Daí que os verdadeiros fiéis da igreja não deviam apenas se abster das marchas, mas também comparecer a um comício contra os protestos organizado pelo Kremlin e pelos jovens da igreja. Contudo, no dia seguinte, apesar destas recomendações e do frio intenso, mais de 50 mil pessoas marcharam contra Puttin nas ruas de Moscou.[44]


Em 8 de fevereiro, o patriarca teve uma reunião com Puttin. Na parte do encontro que foi televisionada, ele descreveu o crescimento econômico dos anos 2000 como um milagre de Deus, auxiliado pelos líderes do país. Desta forma, eleger Puttin era sinônimo de escolher alguém que estava do lado de Deus. Tudo indicava a Pussy Riot que a próxima ação deveria golpear o conluio entre Puttin e os altos representantes da igreja ortodoxa.

À direita, o Patriarca da igreja ortodoxa Cirilo 

Após várias discussões, a Catedral do Cristo Salvador, onde estava sendo exposto o cinto do manto de Nossa Senhora, foi apontada como o local da nova apresentação. Para não ser confundida com um ato de profanação e desrespeito aos fiéis, ela não ocorreria durante uma celebração e nem no altar principal da igreja. Tudo devia deixar claro que se tratava de um protesto contra Puttin. No dia 21 de fevereiro de 2012, Pussy Riot entrou na catedral e foi ao altar secundário escolhido para a apresentação. Desembrulhados os equipamentos e vestidas as balaclavas, as integrantes começaram a cantar:

 

Virgem Maria, Mãe de Deus, livre-nos de Puttin,

livre-nos de Puttin, livre-nos de Puttin.

A apresentação na Catedral.

 

Veste negra, dragonas douradas

Todos os paroquianos rastejando em reverência

O fantasma da liberdade está no céu

O orgulho gay está sendo mandado para a Sibéria acorrentado.

O chefe da KGB [Puttin], sua mais alta Santidade,

Manda os manifestantes para a prisão

Para não ofender a divindade,

as mulheres devem parir e amar.

 

Merda, merda, merda santa!

Merda, merda, merda santa!

 

Virgem Maria, Mãe de Deus, vire feminista

Vire feminista, vire feminista.

A igreja reverencia ditadores podres

Limusines pretas formam a procissão da Cruz

Um missionário virá à nossa escola

Vá à aula e traga seu dinheiro!

 

O patriarca Gundiaiev [sobrenome secular de Cirilo] acredita em Puttin

Puta, melhor seria acreditar em Deus.

O Santo Cinto de Nossa Senhora não pode substituir as manifestações

A própria virgem está protestando conosco!

 

Virgem Maria, Mãe de Deus, livre-nos de Puttin,

livre-nos de Puttin, livre-nos de Puttin.[45]

 

A intervenção da segurança e de alguns fiéis reduziram a 40 segundos o tempo em que foi possível cantar parte da letra. Kat, que aguardava o grupo do lado de fora, recebeu o cartão de memória com a filmagem e o levou a um lugar seguro. Antes que a polícia chegasse, as integrantes que haviam participado direta e indiretamente da ação, uma dezena ao todo, conseguiram deixar o local e se dirigir ao ponto de encontro combinado. No esconderijo, montaram um clipe de um minuto e meio de duração replicando imagens e buscando completar a letra por outros meios, conforme você pode verificar em https://youtu.be/1s-ZN2yZzWw?feature=shared A gravação não era de qualidade e, apesar de considerar o vídeo como o pior já produzido pelo grupo, decidiram divulgá-lo. 

Todas sabiam que a polícia estaria à procura delas e, apesar de os rostos terem sido ocultados pelas balaclavas, as integrantes mais conhecidas deveriam tomar cuidados adicionais para não serem presas. Por razões de segurança, decidiram sair de Moscou rumo a uma área rural distante dos grandes centros. Duas semanas depois, acreditando que as coisas haviam se acalmado, voltaram à capital.

Enquanto isso, os jornalistas continuavam mandando e-mails para o grupo pedindo que concedesse entrevistas. Para atender as solicitações, Nádia, Kat e Maria iam aos cafés no centro de Moscou com seus notebooks, respondiam e-mails e, após configurar uma conexão segura pelo Skype, se dirigiam ao banheiro com três balaclavas nas mãos. Uma  sentava no vaso com o computador no colo e as demais se espremiam em volta dela. Rostos cobertos, satisfaziam a curiosidade dos jornalistas.[46]

Na aparente calmaria do momento, policiais à paisana estavam apertando o cerco e, durante uma saída do esconderijo, um grupo de agentes prendeu Nádia, Maria e Kat, levando-as para a delegacia. A notícia percorreu rapidamente os caminhos da comunicação eletrônica. Um grupo de apoio se formou espontaneamente para arrecadar dinheiro, comida e o que pudesse ser de alguma ajuda.

Apesar das privações e das pressões dos investigadores, em nenhum momento dos quase cinco meses transcorridos entre a detenção e o julgamento, as três integrantes revelaram os nomes das pessoas envolvidas na ação. Saber que seriam punidas não tirava delas a força necessária para enfrentar aqueles momentos de cabeça erguida.

Em 1 de agosto, o jornal britânico The Guardian divulgou uma longa matéria sobre o grupo na qual dizia:

“As integrantes de Pussy Riot não são apenas as revolucionárias mais legais que se possa encontrar, são também as mais simpáticas”. (...) Elas são as filhas que qualquer pai ou mãe teria orgulho de ter. Inteligentes, engraçadas, sensíveis e sem medo de lutar por suas convicções. Uma delas fez questão de me dizer como a ‘gentileza’ é parte importante da ideologia do grupo. Elas também fizeram muito mais para expor a falência moral do regime de Puttin do que qualquer outra pessoa. Nenhum político, jornalista, figura de oposição ou personalidade pública criou tamanha agitação. Tampouco inflamou um debate potencialmente tão significativo. Talvez o mais incrível de tudo - mais incrível até de se autodenominarem feministas numa terra esquecida pelos direitos das mulheres - tenha sido o que fizeram com arte”.[47]

No dia 3, o primeiro dia do julgamento, a defesa de Pussy Riot leu a declaração de Nádia relativa às acusações que pesavam sobre o grupo. Suas palavras diziam:

“Acreditamos que a arte deva ser acessível ao público, e, por essa razão, nós nos apresentamos em uma variedade de locais. Nunca tivemos a intenção de desrespeitar o público em nossos concertos (...). A canção ‘Mãe de Deus, livre-nos de Puttin’ reflete a reação de muitos de nossos concidadãos ao apelo do patriarca para que os fiéis votassem em Puttin nas eleições de 4 de março. Compartilhamos o desagrado de nossos compatriotas com a perfídia, traição, hipocrisia e corrupção que as autoridades atuais têm cometido (...). Nossa ação não foi motivada pelo ódio à ortodoxia russa, que valoriza as mesmas qualidades que nós: caridade, misericórdia, perdão. Nós estimamos a opinião dos fiéis e queremos que fiquem do nosso lado, opondo-se ao regime autoritário (...). Se nossa performance pareceu ofensiva a alguém, lamentamos muito (...). Acreditamos que fomos vítimas de um mal-entendido.

Eu insisto em que aspectos éticos e legais sejam separados uns dos outros. A avaliação ética que eu mesma faço da nossa ação é a seguinte: cometemos um erro levando o gênero que temos desenvolvido, uma performance punk política, para a catedral. Mas, naquela ocasião, não pensamos que a nossa ação pudesse ser ofensiva para alguém. Vínhamos nos apresentando em diversos locais de Moscou, desde setembro de 2011: no teto de um ônibus, no metrô, em frente ao Centro de Detenções Especiais Número Um, em lojas de roupas... E fomos recebidas com bom humor em todos os lugares. Se alguém se ofendeu com nossa performance na Catedral do Cristo Salvador, estou preparada para admitir que cometemos um erro ético. Mas foi isso, um erro: não tínhamos a intenção de ofender (...) e peço desculpas por isso”. [48]

Terminada a leitura, o promotor apresentou rapidamente as acusações, deixando a entender que, em algum momento antes da apresentação na Catedral, Nádia começou uma conspiração com Maria, Kat e outras pessoas desconhecidas dos investigadores, com o objetivo de realizar um ato de vandalismo, mostrando claro desrespeito pela sociedade e ódio religioso. O fato de a Oração Punk citar claramente Puttin foi propositadamente omitido até mesmo no vídeo da acusação que retratava os acontecimentos na Catedral.[49] A condenação das três estava decidida antes dos debates no tribunal. Restava saber de quantos anos seria a pena.

Condenadas a dois anos de reclusão numa colônia penal, todas recorreram da sentença. Apenas Kat, que sequer havia entrado na igreja, teve sucesso e foi libertada. No início de novembro de 2012, Maria e Nádia foram encaminhadas a colônias penais diferentes onde foram submetidas a condições degradantes.

A descrição que Nádia fez chegar além dos muros da prisão numa sequência de mensagens repassadas clandestinamente revelou o que ninguém, por medo das retaliações ou por falta de meios, havia conseguido dar a conhecer. Selecionamos alguns trechos que ajudam a entender o cotidiano das presidiárias e as relações que a direção do presídio construía para romper a resistência delas e isolar Nádia das demais:

“Meu turno inteiro trabalha de 16 a 17 horas por dia na oficina de costura, das sete e meia da manhã à meia-noite e meia. Na melhor das hipóteses temos quatro horas de sono por noite. Temos um dia de folga uma vez a cada mês e meio.

(...) Uma atmosfera de ameaça e ansiedade permeia a zona de produção. Constantemente privadas do sono, avassaladas pela corrida sem fim para cumprir as cotas de proporções desumanas, as condenadas estão sempre a ponto de sofrer um colapso, gritam umas com as outras, brigam pelos motivos mais insignificantes. Recentemente, uma jovem foi esfaqueada na cabeça com uma tesoura porque não entregou um par de calças a tempo. Outra tentou abrir a própria barriga com um serrote. Ela foi impedida de terminar o serviço.

(...) Há um sistema largamente implementado de punições extraoficiais para manter a disciplina e a obediência. As prisioneiras são forçada a permanecer na passagem entre duas áreas da colônia até que as luzes sejam apagadas, o que significa que estão proibidas de irem até os alojamentos, seja outono ou inverno. Na segunda unidade, onde vivem as deficientes e as idosas, havia uma mulher que, depois de passar um dia neste local de passagem, sofreu ulcerações pelo frio tão graves que teve de amputar os dedos das mãos e um dos pés. Os diretores também podem ‘cancelar o saneamento’ [proibir as prisioneiras de se lavarem ou fazerem as necessidades] e ‘fechar a lojinha e o salão de chá’ [proibir as prisioneiras de comer a própria comida e tomar qualquer bebida].

(...) As condições sanitárias na prisão são calculadas para fazer a prisioneira se sentir como um animal imundo e desamparado. Embora existam salas de higiene nos dormitórios, uma ‘sala de higiene comunitária’ foi criada para fins corretivos e punitivos. Essa sala pode acomodar cinco pessoas, mas todas as 800 prisioneiras são mandadas pra lá a fim de se lavarem. Não podemos nos lavar nas salas de higiene de nossos alojamentos: isso seria muito fácil. Há sempre uma debandada na ‘sala de higiene comunitária’ quando as mulheres com suas banheirinhas tentam lavar seu ‘ganha-pão’ (como são chamadas na Mordóvia) o mais rápido que podem, subindo umas em cima das outras. Temos permissão para lavar os cabelos uma vez por semana. Entretanto, mesmo esse dia de banho é cancelado. Uma bomba vai quebrar ou o encanamento vai entupir. Em algumas ocasiões, toda a minha unidade ficou sem banho por duas ou três semanas.

Quando o encanamento entope, a urina jorra das salas de higiene e pedaços de fezes saem voando. Aprendemos a desentupir os canos nós mesmas, mas não dura muito tempo: logo entopem novamente. A prisão não tem uma desentupidora manual para limpar os canos. Podemos lavar roupas uma vez por semana. A lavanderia é um cômodo pequeno com três torneiras de onde sai um filete de água.

As condenadas sempre recebem pão amanhecido, leite generosamente batizado com água, painço excepcionalmente rançoso e apenas batatas podres, aparentemente com os mesmos fins corretivos. Neste verão, uma grande quantidade de sacos cheios de batatas pretas e viscosas foi trazida para a prisão. E nos alimentaram com elas”.[50]

Saber que fora do presídio havia grupos de apoio e que a detenção de Nádia despertava a atenção do mundo, permitia que ela desfrutasse de alguns “privilégios”:

“Se você não fosse Tolokonnikova, já teria levado porrada há muito tempo, disseram colegas da prisão que tinham laços estreitos com os diretores. É verdade: outras pessoas são espancadas. Por não serem capazes de manter o ritmo. Batem nelas nos joelhos, no rosto. As próprias condenadas dão essas surras e nada acontece sem a aprovação e o conhecimento dos diretores. Um ano atrás, antes de eu chegar aqui, uma cigana foi surrada até a morte na terceira unidade. (A terceira unidade é a ‘panela de pressão’: prisioneiras que os diretores querem que sejam submetidas a surras diárias são mandadas pra lá). Ela morreu na enfermaria da IK-14 [sigla da colônia penal]. A administração conseguiu encobrir o fato de que ela foi espancada até a morte: a causa oficial da morte foi atribuída a um derrame. Em outro bloco, as costureiras novas que não conseguem manter o ritmo de trabalho eram despidas e forçadas a trabalhar nuas. Ninguém ousa reclamar com os diretores, porque tudo o que eles irão fazer é sorrir e mandar a prisioneira de volta ao dormitório, onde ela irá apanhar sob as ordens dos mesmos diretores. Para o diretor da prisão, essa prática é um método conveniente para obrigar as condenadas a obedecer a um regime totalmente ilegal.” [51]

Contudo, esses “privilégios” eram pagos a caro preço. À medida que se tratava de uma presa que podia dar problemas, Nádia era isolada das demais presidiárias, quem se relacionava com ela era severamente punida e suas tentativas de melhorar as condições de vida na colônia penal viraram um tiro no pé:

“Em maio de 2013, meu advogado, Dimítri Dinze, apresentou à promotoria uma queixa sobre as condições na IK-14. O vice-diretor da prisão, o tenente-coronel Kupríianov, imediatamente tornou as condições da colônia insuportáveis. Era uma revista atrás da outra, uma enxurrada de relatórios disciplinares sobre todas as minhas conhecidas, a apreensão de roupas quentes e ameaças de apreensão também dos sapatos de inverno. No trabalho, eles se vingam distribuindo tarefas complicadas, aumentando as cotas e inventando defeitos. A supervisora da unidade vizinha, braço direito do tenente-coronel Kupríianov, incitou abertamente as prisioneiras a sabotar as peças pelas quais eu era responsável na zona de produção, para que houvesse uma desculpa para me mandarem para a solitária por ‘destruir propriedade pública’. Ela também mandou que as condenadas de sua unidade arranjassem briga comigo.

(...) É possível tolerar qualquer coisa, desde que afete somente você. Mas o método de correção coletiva na prisão é diferente. Implica que a sua unidade ou até mesmo a prisão inteira terá que aguentar o castigo junto com você. A coisa mais vil é que isso inclui as pessoas com as quais você passou a se preocupar. Uma das minhas amigas teve seu pedido de liberdade condicional indeferido, algo pelo qual ela vinha trabalhando havia sete anos, cumprindo diligentemente suas cotas na zona de produção. Ela foi repreendida por tomar chá comigo. O tenente-coronel kupríianov a transferiu para outra unidade no mesmo dia. Outra de minhas conhecidas próximas, uma mulher muito culta, foi jogada na panela de pressão para ser espancada todos os dias porque havia lido e discutido comigo um documento do Ministério da Justiça intitulado ‘Regulamento Interno das Instituições Correcionais’. Foram apresentados relatórios disciplinares sobre todas as que conversavam comigo. Doía saber que as pessoas com as quais eu me preocupava eram obrigadas a sofrer. Rindo, o tenente-coronel Kupríianov me disse então: ‘Você, provavelmente, não tem mais nenhuma amiga!’. Ele explicou que tudo isso estava acontecendo por causa das queixas do Dinze.”[52]   

Mergulhada nesta realidade cruel, em 23 de setembro de 2013, Nádia inciou uma greve de fome para protestar contra os abusos a que todas as internas estavam submetidas. A centenas de km de distância, Maria, que vivia uma realidade parecida, havia iniciado dias antes a mesma forma de protesto. As condições em que se encontrava, permitiam ao seu corpo suportar melhor os problemas que a falta de alimentos impunha. Nádia, que já estava fragilizada por meses de maus tratos, privação do sono e subnutrição adoeceu rapidamente e foi internada duas vezes.

No dia 23 de dezembro, a um passo das olimpíadas de inverno de Sochi, Puttin anistiou Maria e Nádia a fim de amenizar as críticas internacionais que vinha recebendo. Ao sair do presídio, Nádia o “agradeceu” por ter encurtado em dois meses a duração da pena gritando:

“Uma Rússia sem Puttin!”.[53]

Maria declarou aos jornalistas que, se pudesse escolher, rejeitaria a anistia. E acrescentou:

“Não tenho medo de mais nada”.[54]

Em sua autobiografia, ela resumiria a trajetória que a levou a esta afirmação:

“Quando fui presa por protestos políticos, aprendi que a prisão não apenas ensina você a cumprir as regras. Ela ensina você a pensar que você nunca pode quebrá-las. É inevitável que os portões da prisão se abram em algum momento. Mas isso não significa que você saia da categoria ‘prisioneiro’ e vá direto para a categoria ‘livre’. A liberdade não existe a menos que você lute por ela todos os dias. E ações quebram o medo”.[55]

Passo a passo, Pussy Riot deixaria de ser uma banda para se tornar um movimento que incorpora mais pessoas e novas formas de expressar suas mensagens, mas sem perder o caráter feminista e de oposição a Puttin. Você pode ter uma ideia deste percurso através da playlist do YouTube em: https://youtube.com/playlist?list=PL0NKMJYMKLy2ooaY1Ern7kF7JnXz49nmo&feature=shared

Fora da prisão e consciente de que as ações de Pussy Riot haviam colocado Presidente russo sob pressão, Kat teve muito trabalho para se livrar das acusações que o primeiro recurso deixava em aberto. Perguntada se voltaria a apoiar a apresentação na Catedral, a resposta curta e grossa foi: Sim. Entre final de 2013 e o inicio de 2014, defendeu abertamente o boicote às olimpíadas de inverno em Sochi como forma de protestar contra os abusos de Puttin. Após este período, não conseguimos informações sobre ela.[56]

Do dia em que foram colocadas em liberdade até o momento em que escrevemos, Nádia e Maria receberam prêmios, lutaram pelos direitos dos presos nas colônias penais, organizaram turnês para protestar contra a invasão russa da Ucrânia e arrecadar fundos para o país, atenderam a inúmeros pedidos de entrevistas, postaram protestos nas redes sociais contra a prisão de Alexander Navalny, advogado e ativista da oposição,[57] e voltaram a ser detidas por suas manifestações públicas.

A pressão em volta de ambas foi crescendo. Sob o peso das ameaças, Nádia se viu forçada a deixar a Rússia em 2021, mas nunca desistiu de lutar pelos seus ideais. Em 1 de abril de 2023, as criticas à guerra e ao autoritarismo de Puttin fizeram com que o Kremlin colocasse o seu nome na lista dos criminosos mais procurados por Moscou.[58] Recentemente, acusou publicamente o Presidente russo de ter envenenado Navalny enquanto se encontrava detido numa colônia penal masculina.[59]

O destino de Maria não foi diferente. Sempre seguida pela polícia, entre novembro de 2021 e abril de 2022, ela foi presa dez vezes por suas críticas à guerra na Ucrânia. Resolveu deixar o país no início de maio, quando soube que sua prisão domiciliar seria convertida em detenção numa colônia penal. Disfarçada de entregador de comida por aplicativo, saiu de Moscou e entrou na Lituânia com a ajuda de amigos.[60] Contudo, esta escolha difícil não a tirou da luta à qual dedicou mais de dez anos da sua vida.

Maria aparece em primeiro plano em um vídeo gravado depois da sua saída do país. A música “O Lago dos Cisnes”  é um protesto contra a propaganda que o Estado russo faz da guerra na Ucrânia. O pano de fundo é constituído pelas aulas de patriotismo que as escolas ministram no país inteiro impondo, por exemplo, que os alunos a escreverem cartas de apoio aos soldados nas frentes de batalha. Numa delas, cujo texto inspirou a letra da música, Timofey, aluno da quinta série, quer que os soldados voltem para casa e que não matem pessoas em solo estrangeiro. Por esse gesto, a criança e os pais foram duramente repreendidos pela professora e pelas autoridades. Vamos agora à tradução da letra, cujo clipe você pode assistir em: https://youtu.be/OfPyPB5rBiA?si=L1Q82K5R3LWyVrTs

 

O Lago dos Cisnes.

O veneno passa pela TV a cabo

Deixa aqui o que chega e o que ainda não foi deixado

"menino crucificado" no quadro de avisos

Quantos foram matar acreditando nos assassinos?

Os mapas dos impérios estão fluindo mirra

O valor da vida é superestimado

As mulheres deveriam parir mais

Não tenham pena dos soldados

As mulheres vão parir mais

 

Eles não nos consideram humanos aqui

Ninguém é esquecido, nada é esquecido

Os veteranos comem de um cocho vazio.

 

A felicidade da pátria é mais preciosa que a vida

A felicidade da pátria é mais preciosa que a vida

Democracia soberana

Interesses nacionais

Ataque preventivo

Gesto de boa vontade

Nem tudo é tão simples

Eles estão se bombardeando

Desacreditando o exército

Valores tradicionais

Otimização de despesas

Crescimento negativo

Recuo estratégico

Importação substituição

A vontade de milhões

A denúncia é um dever de patriota

Mobilização parcial

Desnazificação

Cinza nuclear

Alinhamento de fronteiras

Palmas

Fumaça

Colapso

Sem pânico

 

Não vamos te perdoar e vamos pisotear os restos

A torre Ostankino vai queimar lindamente!

Metade do país ficou desabrigada

Carrascos com dragonas bebem

Unidades de bloqueio, marcha de prisioneiros

O oficial está esperando por você na maternidade

Uma criança costura um manto militar

Campo russo

De campos de execução

Em uma bolsa preta batizada

Um noivo russo vai para casa

 

A vida com um arame preso até o ânus

Uma convocação, vodca no ônibus, adeus

Mamãe tricota um colete à prova de balas contra o frio

A irmã está na prisão pelos slogans antiguerra

Substituindo importações por ratos mortos

Substituindo homens por carneiros talentosos

Substituindo cérebros por “Rússia hoje”

O inverno sai, o inferno chega

Mulheres e crianças gritam em agonia

Tchekistas bebem chá assistindo o pôr do sol

Ninguém ouvirá seu apelo

A guarda nacional atira direto na multidão

Não é uma derrota, mas um reagrupamento

Não uma carga 200, mas uma nova embalagem

Sepulturas fraternas cavadas de acordo com os padrões

Pedimos desculpas pelo transtorno

Pedimos desculpas pelas falhas

A guerra é uma celebração e está tudo bem

 

Não vamos te perdoar e vamos pisotear os restos

A torre Ostankino vai queimar lindamente.

 

As estrofes colocam frente a frente as principais expressões utilizadas pela propaganda oficial e a dura realidade da crise econômica, dos sacos pretos com os cadáveres dos soldados, das aberrações e dos crimes cometidos nos campos de batalha. Uma crise cujos limites são testados e ampliados, mas cuja gravidade é anunciada no próprio título da música. O espetáculo de dança “o Lago dos Cisnes” era sempre transmitido pela televisão soviética sempre que o país atravessava tempos difíceis.

A letra é marcada também pelos contrastes entre o cotidiano das pessoas simples e o dos “homens do poder”. Enquanto a mãe tricota um colete primaveril à prova de bala, a irmã é presa por se manifestar contra a guerra, cérebros que deveriam ser usados para refletir criticamente sobre a realidade são substituídos por programas de televisão que pensam no lugar das pessoas, mulheres e crianças gritam em agonia, mas os Tchekistas (como eram chamados os membros de uma das primeiras organizações da polícia secreta soviética) bebem chá assistindo o pôr do sol, alheios ao drama dos russos cujos filhos estão nos campos de batalha.

O grito da resistência passa pela declaração de que Puttin não será perdoado pelos crimes que cometeu, verá seus restos pisoteados e assistirá à torre de Ostankino, de onde sai o sinal de rádio e televisão para cerca de 15 milhões de pessoas na área da capital, queimar lindamente. É assim que o vídeo reafirma a luta que Pussy Riot continua travando desde o início das suas ações.[61]

Maria, Nádia, kat, os e as demais integrantes de Pussy Riot, bem como as mondinas da Itália do Norte e as mulheres que fizeram a greve de Lawrence acontecer não são seres sobre-humanos que não conhecem o medo e a dor. São pessoas comuns, cuja ação usou a música e a poesia para sacudir o conformismo, declarar guerra à resignação e levar as vítimas da opressão a lutarem pela liberdade.

Emilio Gennari, 27 de março de 2024.





[1] De acordo com o Censo de 1910, 85.892 pessoas viviam em Lawrence. Desse total, 42.526 (48,0%) haviam nascido no exterior. De cada 100 trabalhadores empregados na indústria têxtil, 74 eram estrangeiros ou filhos estadunidenses de país nascidos fora do país. Estes e outros detalhes sobre a composição da população e da força de trabalho de Lawrence podem ser encontrados em:

- Antony Russo, The Massachusetts Labor Movement - Collective voices: The Textile Strike of 1912,  Secondary Social Studies Curriculum Guide, 1990, disponível em: https://archives.lib.state.ma.us/server/api/core/bitstreams/30d9be73-b6a0-4370-9380-e4422075a290/content  Acesso realizado em 10/02/2023

- Robert Forrant e Jurg Siegenthaler, The great Lawrence Textil Strike of 1912 - New Scholarship on the Bread & Roses Strike, Ed. Routledge, Londres e Nova Iorque, 2014.

[4] Estas e outras informações encontram-se em:

- Antony Russo, The Massachusetts Labor Movement - Collective voices: The Textile Strike of 1912,  Secondary Social Studies Curriculum Guide, 1990 https://archives.lib.state.ma.us/server/api/core/bitstreams/30d9be73-b6a0-4370-9380-e4422075a290/content - https://archive.iww.org/content/bread-and-roses-hundred-years/

- https://dp.la/exhibitions/breadandroses/strike  Acessos realizados em 10/02/2024.

[5] Em: Renato Lalli, Arturo Giovannitti. Poesia, cristianesimo e socialismo tra le lotte operaie del primo Novecento americano, Editoriale Rufus, Campobasso 1981, pp. 92-93.

[6] Em: Cameron, Ardis. Radicals of the Worst Sort: Laboring Women in Lawrence, Massachusetts, 1860-1912. University of Illinois Press, 1995.

[7] Em: Robert Forrant e Jurg Siegenthaler, The great Lawrence Textil Strike of 1912 - New Scholarship on the Bread & Roses Strike, Ed. Routledge, Londres e Nova Iorque, 2014.

[8] A frase e o caso foram registrados em:

- Robert Forrant e Jurg Siegenthaler, The great Lawrence Textil Strike of 1912 - New Scholarship on the Bread & Roses Strike, Ed. Routledge, Londres e Nova Iorque, 2014.

- https://dp.la/exhibitions/breadandroses/strikers/workers   Acesso realizado em 23/02/2024

[11] Em: Antony Russo, The Massachusetts Labor Movement - Collective voices: The Textile Strike of 1912,  Secondary Social Studies Curriculum Guide, 1990 https://archives.lib.state.ma.us/server/api/core/bitstreams/30d9be73-b6a0-4370-9380-e4422075a290/content

- https://archive.iww.org/content/bread-and-roses-hundred-years/  Acesso realizado em 10/02/2024.

[12] Em: Edoardo Puglielli, Umberto Postiglione e il grande sciopero di Lawrence (1912), Società Filosofica Italiana Sezione di Sulmona ‘Giuseppe Capograssi’ junho de 2015.

[13] Em: Hubbard, Andrew, "Bread and Repression, Too: The Battle for Labor’s Memory and the Lawrence Textile Strike of 1912" (2018). Honors Theses. 1672. Disponível em: https://digitalworks.union.edu/theses/1672 Acesso realizado em 23/02/2024.

[15] Estas e outras informações podem ser encontradas em:

- Edoardo Puglielli, Umberto Postiglione e il grande sciopero di Lawrence (1912), Società Filosofica Italiana Sezione di Sulmona ‘Giuseppe Capograssi’, junho de 2015.

- Hubbard, Andrew, "Bread and Repression, Too: The Battle for Labor’s Memory and the Lawrence Textile Strike of 1912" (2018). Honors Theses. 1672. https://digitalworks.union.edu/theses/1672 Acesso realizado em 23/02/2024.

[16] Estas e outras informações podem ser encontradas em:

- Hubbard, Andrew, "Bread and Repression, Too: The Battle for Labor’s Memory and the Lawrence Textile Strike of 1912" (2018). Honors Theses. 1672. https://digitalworks.union.edu/theses/1672 Acesso realizado em 23/02/2024.

- Robert Forrant e Jurg Siegenthaler, The great Lawrence Textil Strike of 1912 - New Scholarship on the Bread & Roses Strike, Ed. Routledge, Londres e Nova Iorque, 2014.

- https://dp.la/exhibitions/breadandroses/mobilizing-beyond-lawrence/childrens-exodus  Acesso realizado em 23/02/2024.

[17] Texto conforme consta da divulgação em: https://shortcutsamerica.com/2013/03/08/r/   Acesso realizado em 24/02/2024

[21] O contexto e a expressão em versos desta realidade cruel constam também do repertório do coral das mondinas da cidade de Bentivoglio, nas proximidades de Bolonha, formado por trabalhadoras dos arrozais que mantêm viva a memória do trabalho e da luta. Os versos, recitados em italianos, estão disponíveis em: https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=OzOJ49Hswr8 

Acesso realizado em 06/03/2024.

[29] Esta informação foi extraída do livro de Giuseppe Vettori, Canzoni italiane di protesta 1794-1974 - dalla Rivoluzione francese alla repressione cilena, Newton Compton Editori, Roma 1974.

[34] Este acontecimento marcou a história do período a ponto da revista semanal “Domenica del Corriere” usar como capa um desenho que retratava esta ação. Disponível em: https://www.lookandlearn.com/history-images/M283307/Sciopero-dei-mondarisi-nel-Vercellese-come-le-risaiuole-tentarono-impedire-il-viaggio-ai-liberi  Acesso realizado em 09/03/2024.

[35] Você pode ter acesso às fotos de várias manifestações pedindo a libertação de Maria, Kat e Nádia em: https://www.voanews.com/a/punk_band_wanted_band_members_flee_russia_to_avoid_arrest/1495972.html e no final da matéria em: https://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2012/08/17/veja-o-video-e-a-letra-da-musica-que-levou-a-prisao-das-integrantes-do-pussy-riot.htm? Acessos realizados em 12/03/2024.

[36] Resumimos aqui as informações contidas no livro de Masha Gessen, Palavras quebrarão cimentos - a paixão de Pussy Riot, Ed. Martins Fontes, São Paulo 2014., pg. 91-104.

[37] Idem, pg 55-63.

[38] Idem, pg 40-51.

[39] Idem, pg 76-79.

[40] Idem, pg. 82-83.

[41] Idem, pg. 83.

[42] Idem, pg. 109-110.

[43] Idem, pg. 114-115.

[44] Idem, pg. 118-119.

[45] Idem, pg. 127-128.

[46] Idem, pg. 129-137.

[47] Idem, pg. 165.

[48] Idem, pg. 169.

[49] Idem, pg. 201.

[50] Idem, pg. 299-315.

[51] Idem, pg. 303-304.

[52] Idem, pg. 306-307.

[54] Idem.

[55] Em: Maria Alyokhina, Riot Days, Ed. Hedra, São Paulo, 2020.

[57] Maiores informações sobre a trajetória de Alexander Navalny podem ser encontradas em: https://pt.euronews.com/2024/02/16/quem-era-alexei-navalny-e-como-e-que-ele-se-tornou-o-mais-feroz-opositor-de-putin 

Acesso realizado em 14/03/2024.

[61] Além dos textos e links citados nas notas anteriores, a reflexão sobre o grupo Pussy Riot contou também com os materiais divulgados nos sites que seguem:

- https://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2012/08/17/celebridades-criticam-condenacao-dada-a-banda-russa-pussy-riot.htm

- https://musica.uol.com.br/noticias/reuters/2012/08/16/principais-cantores-russos-ficam-em-silencio-sobre-caso-da-pussy-riot.htm

- https://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/02/integrantes-do-pussy-riot-sao-libertadas-em-sochi.html?channel=webview&utm_source=share-universal&utm_medium=share-bar-app&utm_campaign=materias

- https://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/01/pussy-riot-agradece-governo-russo-por-prisao-que-levou-projecao.html

- https://www.dw.com/pt-br/ativistas-do-pussy-riot-e-escritor-ucraniano-dividem-pr%C3%AAmio-hannah-arendt/a-18112873

- https://www.dw.com/pt-br/banda-russa-pussy-riot-faz-turn%C3%AA-europeia-em-apoio-%C3%A0-ucr%C3%A2nia/a-61776454

- https://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/11/cantora-do-pussy-riot-e-internada-em-hospital-siberiano.html?utm_source=share-universal&utm_medium=share-bar-app&utm_campaign=materias

- https://www.dw.com/pt-br/pussy-riot-pede-a-sa%C3%ADda-de-putin-do-poder/a-17327105

- https://rollingstone.uol.com.br/noticia/banda-russa-punk-pussy-riot-lanca-manifesto-contra-violencia-policial-e-clipe-da-musica-1312-assista-aos-videos/

- https://rollingstone.uol.com.br/noticia/banda-russa-pussy-riot-provoca-bolsonaro-em-poster-de-festival-verao-sem-censura-em-sp/

- https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2022/05/12/banda-russa-pussy-riot-faz-turne-europeia-em-apoio-a-ucrania.htm

- https://observatoriog.com.br/noticias/integrantes-da-banda-pussy-riot-sao-presas-na-russia-apos-protesto-lgbt

- https://www.terra.com.br/noticias/mundo/europa/pussy-riot-sao-atacadas-com-spray-de-pimenta-na-russia,d35817a418794410VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html

- https://www.jpn.up.pt/2022/06/07/mais-do-que-um-concerto-um-manifesto-pussy-riot-querem-mostrar-verdade-sobre-a-russia-no-regresso-aos-palcos-portugueses/

- https://rollingstone.uol.com.br/musica/pussy-riot-nadya-tolokonnikova-comenta-guerra-na-ucrania-e-critica-putin-ditador-mais-perigoso/

- https://rollingstone.uol.com.br/musica/pussy-riot-lanca-manifesto-contra-putin-e-guerra-na-ucrania/

- https://gizmodo.uol.com.br/russia-coloca-cantora-do-pussy-riot-na-lista-de-mais-procurados-do-pais/

- https://en.wikipedia.org/wiki/Pussy_Riot

- https://rollingstone.uol.com.br/musica/lider-da-pussy-riot-maria-alyokhina-foge-da-russia-com-ajuda-de-amigos/

- https://www.youtube.com/watch?v=T_CkcCLX2ss

- https://youtu.be/9HOPw9yM9pc?si=WEgevAOBADEPRT3T

- https://www.infobae.com/america/agencias/2023/11/01/pussy-riot-pide-denuncia-en-nuevo-video-la-manipulacion-de-las-conciencias-de-ninos-rusos/

Todos os acessos foram realizados entre 1 de fevereiro e 14 de março de 2024.